CONFLITOS
DA CULTURA DISFARÇADOS DE CONFLITOS PESSOAIS
Os seres humanos
carregam consigo um medo atávico de serem influenciados, dominados, abusados, e
procuram defender e preservar sua força, individualidade e independência de
pensamento e ação. Num casal, o medo de ser dominado e o desejo de dominar se revela
até mesmo em pequenas disputas como, por exemplo, a ridícula luta quanto ao
modo de colocar a pasta de dentes na escova. As pessoas têm um medo
inconsciente de serem influenciadas e dominadas e então perder sua autonomia e
identidade. Tal sentimento pode ser percebido nos vários níveis das relações
humanas, desde as que envolvem povos até as que se dão entre funcionários de
uma empresa e relações de casal. Porém, não é fácil reconhecê-lo. Embora sua incidência
seja ampla não nos apercebemos dela o que nos dificulta fazer um trabalho
psicanalítico. Este medo está incrustado em nossos neurônios/psique, pois desde
o inicio de nossa vida dependemos de uma outra pessoa de uma forma indispensável,
necessária e prazerosa. Porém em algum momento da vida será preciso tornar-se
autoafirmativo, contrariando os interlocutores. Instala-se um conflito aberto
ou larvado: interesses grupais versus interesses pessoais, sentimentos de culpa
por estar contrariando uma pessoa amada, desejo de paz versus afirmação da
individualidade, desejos inconsciente de se fundir com a Grande Mãe versus
desejo de individuação, etc.
As conquistas
territoriais, os massacres de populações, a imposição de culturas podem ser
considerados, em parte, uma defesa contra a invasão/imposição de um grupo sobre
a individualidade/subjetividade de outro. Do mesmo modo, quando um casal
discute sobre o modo de usar o tubo da pasta de dentes, cada um querendo provar
que a sua maneira é a melhor, trata-se, no fundo, de uma luta de culturas e
mentalidades. Qual cultura/mentalidade vai prevalecer? Quem vai desaparecer e
virar uma sombra para que o outro possa tranquilamente ocupar um lugar
protegido da ameaça de ser invadido colonizado, controlado?
Na economia das
relações entre os seres vivos, o grupo funciona com mais eficiência quando se
estabelecem relações de liderança. Se cada um saísse atirando para lados
diferentes, se não houvesse uma sinergia de ações, o grupo tenderia a desaparecer,
destruído por outros. Essa é uma herança que os humanos carregam consigo para
todos os lados, em todas as situações. Inclusive nas relações amorosas.
Aqui faço um parêntesis para tratar da espinhosa questão da liderança. O perigo da liderança é o perigo que ela se transforme em relações ditatoriais. Eu penso em uma liderança funcional onde cada membro do grupo é levado a fazer o necessário para manter a estabilidade dinâmica do grupo. O exemplo que tenho na cabeça é o da organização das formigas e de outros insetos onde a alocação política é uma questão pontual, a ser resolvida nos contextos locais que se articulam com contextos locais mais amplos sem haver disputas pelo poder. Cada um faz o que deve fazer para a equilibração do grupo. Trata-se de uma liderança rizomática (Deleuze).
É preciso fazer um
esforço para identificar o receio atávico de ser influenciado pois aquilo que
parece pequeno e burlesco pode ou não estar vinculado ao mais primitivo desejo de
dominar e anular.Aqui faço um parêntesis para tratar da espinhosa questão da liderança. O perigo da liderança é o perigo que ela se transforme em relações ditatoriais. Eu penso em uma liderança funcional onde cada membro do grupo é levado a fazer o necessário para manter a estabilidade dinâmica do grupo. O exemplo que tenho na cabeça é o da organização das formigas e de outros insetos onde a alocação política é uma questão pontual, a ser resolvida nos contextos locais que se articulam com contextos locais mais amplos sem haver disputas pelo poder. Cada um faz o que deve fazer para a equilibração do grupo. Trata-se de uma liderança rizomática (Deleuze).
Os casais precisam
encontrar um equilíbrio. Como as culturas e os hábitos são diferentes o confronto
é inevitável. E ambos devem permanecer fortes em suas vestes de autoafirmação.
Dessa forma estabelecem-se os limites e espaços de cada um e o entendimento em
áreas comuns de pensamento/sentimento/sensibilidade. Quando um tenta convencer
o outro de que seu modo de pensar é o verdadeiro, entra-se no terreno da
disputa, da conquista, do desejo de ocupar com sua personalidade o máximo de
espaço, movido pelo medo de ver sua individualidade anulada pela do outro.
Quanto maior for a
autoestima de cada um, quanto maior for a certeza de se ter um centro autônomo
e criativo, menos esse tipo de disputa aparecerá, pois a força individual se
definirá por uma potência intrínseca e não pela dominação sobre o outro.
É bom lembrar, porém,
que a dominação traz lucros não só para o dominador como também para o
dominado, que aceitando sua submissão goza de tranquilidade até ter seu
conforto ameaçado pela voracidade e medo do dominador. Para evitar essas
situações, é importante que o casal perceba que a tentativa de imposição dos
pequenos gostos pessoais de cada um pode ser a materialização do medo primitivo
de desaparecer como individualidade, um sentimento que, para ser administrado,
precisa, antes, ser reconhecido.
Nahman Armony
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