O SER HUMANO NO FINAL DO SÉCULO XX
UM PANORAMA GERAL

                        do livro “Borderline: uma outra normalidade”

   Século XX. Período de transição. Crise. Poluição, violência, impiedade. A humanidade colhida na armadilha do desenvolvimentismo, da onipotência, do sucesso, da eficiência, vive na atualidade mais uma de suas encruzilhadas. Às certezas do classicismo e às utopias e mitos da modernidade sucederam-se a dispersão e perplexidades do pós-modernismo. O mundo vibrante,  luminoso, pleno de esperanças, transformou-se em lugar movediço, pantanoso, difícil, sombrio; a outra face do espelho de límpido e imaculado cristal expandiu-se tornando aparente a destruição, sofrimento e infelicidade, sombras companheiras de uma subjetividade iluminista. O homem perde suas raízes, encontra-se só, diluído em um sistema de objetos, buscando referências para si mesmo, acossado por múltiplos parâmetros, desconjuntado, indeciso, inseguro. As relações humanas são perturbadas por uma excessiva competitividade, impiedade, implacabilidade, crueldade, indiferença. Acossado pelas máquinas e pelos acontecimentos socioeconômicos em frenesi crescente de velocidade e transformação, o homem acelera seu  ritmo vital,  forçando seu corpo/mente para além de seus limites. Em contrapartida multiplicam-se os cuidados com o corpo e com a mente obedecendo a uma lógica dos investimentos narcísicos e de capital: combate ao stress, controle da pressão arterial, check-ups periódicos, tratamentos ortomoleculares, ginástica, exercícios os mais diversos, tai-chi-chuan, massagem, meditação, terapias corporais, psicanálise. Busca-se o relaxamento, reduz-se o formalismo, transgridem-se as regras, desconsidera-se e se debocha da hierarquia, diminuem-se as exigências de conformidade a um modelo orientador. A  diversidade e enfraquecimento dos parâmetros permite uma maior liberdade na escolha de caminhos de vida;  O isolamento afetivo e a dessacralização desmoralização da autoridade e das ideologias provocam uma sensação de vazio e futilidade. O homem busca a religião e se congrega em pequenos grupos para escapar à solidão e ao vazio.
   Este quadro que estou traçando é certamente tendencioso; tenho a consciência de estar selecionando aspectos da modernidade e pós-modernidade em função de um discurso previamente direcionado. As características da modernidade e da pós podem ser olhados de um prisma positivo: maior liberdade de escolha, redução do formalismo e diminuição das exigências de correspondência a um modelo orientador. Sua liberdade, porém, recai em um vazio existencial, em uma falta de fé e de objetivos, em um sentimento de futilidade da vida. Expulso de suas certezas vê-se afetado em seu cotidiano nas várias frentes em que transita: vida profissional, social, familiar, amorosa. Ao mesmo tempo livra-se da camisa de força do formalismo.  Estas questões psicológicas são concomitantes a questões ambientais e sociais: poluição, violência, impiedade. No limite pensamos na sobrevivência do planeta e tememos pelo destino individual. O que acontecerá com a terra? O que acontecerá conosco e com nossos filhos? Como viver em meio à violência, à insegurança,  à impiedade,  à competição selvagem à fome, à miséria, acossados pelo medo? Sobreviver, viver, dever, gozar, viver na multiplicidade, viver na unidade, dispersar-se, recompor-se, desumanizar-se, congregar-se, separar-se, obter sucesso, desenvolver potencialidades. O que fazer com os ideais da modernidade que se esvaíram na concentração de bens, a disparidade riqueza/pobreza, a fome, a violência, a impessoalidade, a competitividade, a crueldade, a guerra, com relações humanas tensas, excessiva autoexigência, drogas,  autoindulgência, stress, perda de referências éticas, confusão, dúvidas, insegurança, multiplicidade de parâmetros? Potência, onipotência ou impotência? No ar do tempo ouvem-se gritos e gargalhadas, choros e ranger de dentes, agitações e misticismos, buscas desesperadas e apatias. O homem expulso de suas certezas e acossado pela perplexidade vê-se afetado em sua vida diária nas várias frentes em que transita: vida profissional, social, familiar, amorosa.

                                            Nahman Armony





      

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