Toda
relação passa por períodos de tensão. Namoros que começam em mar de almirante,
após algum tempo enfrentam tempestades e balançam entre o naufrágio e a
salvação. Esses períodos de tormenta são praticamente inevitáveis, mas a
consciência de que podem ajudar no amadurecimento da relação, sem dúvida ajuda
os parceiros a enfrentá-los.
As
borrascas acontecem porque cada um tem a sua peculiar configuração psíquica,
fatalmente diferente da do parceiro. E só aos poucos, dependendo das situações
vividas pelo par, as várias facetas da personalidade de cada um se fazem
presentes; a cada vez que se confrontam diferenças inéditas, afloram emoções
intensas, atirando o par num redemoinho de acusações, contra-acusações, culpas,
desvalorizações. Um caos. Quando as tensões amainam, voltam a preponderar os
sentimentos afetuosos. Se o casal não percebe de onde surgiram os
mal-entendidos, pode se depositar no fundo do seu psiquismo um ranço negativo
que, acumulado com sobras de outras brigas acaba por tornar problemática a
convivência amorosa e confiante. Já uma compreensão das motivações do
desentendimento faz o casal mergulhar em regiões ainda não visitadas onde pode
se deparar com preconceitos e suscetibilidades até então não percebidas ou mal
percebidas. Cada um poderá, então, agradecer ao parceiro pela oportunidade de
ampliar a percepção de si mesmo e do outro e pelo conseqüente fortalecimento do
sentimento de união criativa.
Dou
um exemplo: um casal está saindo daquele período inicial em que um sempre
procura agradar o outro e combina que ambos serão sinceros quanto aos seus
próprios desejos e sentimentos. Esse casal acerta um fim de semana a dois e de
repente a mãe do marido exige, implora que ele vá vê-la. Fiel à prévia e madura
combinação a esposa diz que embora contrariada, desistirá do programa íntimo e
o acompanhará à casa da mãe. O parceiro sente sua fala como uma desconsideração
com a mãe e reage com um profundo desagrado que se expressa na sua mímica
corporal. A companheira, chocada com o que ela considera uma falta de
reconhecimento de seu esforço para tornar a relação mais madura e uma traição
ao acordo, reage atacando o companheiro, que, por sua vez, contra-ataca, daí
surgindo uma altercação. Podemos especular que a intensa reação emocional se
deva a questões psicológicas prévias tais como necessidade de reconhecimento,
sentimentos de rejeição, dependência excessiva dos pais, ou qualquer outra
coisa. Se o rapaz percebesse o esforço da companheira em ser madura e se essa
percebesse que a reação dele estava referida não a ela, mas à sua inconsciente
dependência dos pais, o episódio teria um outro desenrolar. Como, porém, pela
primeira vez núcleos inconscientes foram mobilizados pela relação seria irreal
pedir ao casal um comportamento sensato. O conflito é inevitável. Só depois de
os sentimentos se expressarem torna-se possível um exame ponderado.
Outra
situação hipotética: ela está gripada e pertence a uma família cuja ideologia
inclui a idéia de cura pelo repouso. Já a ideologia da família dele preconiza
que a pessoa se cura enfrentando a gripe e continuando suas atividades. Ele a
convida para jantar e ela recusa o convite, em função de seu estado de saúde.
Imerso na ideologia de sua família, ele se sente rejeitado e reage com raiva.
Ela, imersa na própria cultura familiar, não entende a raiva do parceiro e
conclui que ele não se preocupa com sua saúde. Arma-se o conflito,
explicitam-se conteúdos inconscientes. Passada a tempestade e estabelecendo-se
um diálogo amoroso o casal pode vir a entender a subjetividade do outro. Desfazem-se
os equívocos, aprofundando-se o conhecimento de si, do parceiro e do
casal.
Os
casais que souberem atravessar as crises dos equívocos, esclarecendo-os,
tornar-se-ão mais maduros e unidos.
Nahman Armony
Primeira
publicação na revista CARAS