Odette Orquídea
Preciosa flor
Ferida exposta
Ao meu canto
Faz sorrir
Leva ao pranto
Odette Orquídea
Linda flor
Ferida aberta
Do amor.
Nahman Armony
CRISES DOS EQUÍVOCOS
Toda relação certamente passará
por períodos de tensão. O namoro começa em mar de almirante, mas após algum
tempo enfrentará tempestades e balançará entre naufrágio e salvação. Saber que
forçosamente existe um tempo de tormenta, e mais, saber que a borrasca não
apenas é inevitável como também necessária para o amadurecimento do par,
ajudará a atravessar períodos difíceis da relação.
O distúrbio é inevitável porque cada um
tem a sua peculiar configuração psíquica fatalmente diferente da do parceiro. E
só aos poucos, dependendo das situações vividas pelo par, as várias facetas da
personalidade se fazem presentes; a cada vez em que se confrontam diferenças
inéditas, surgem afetos intensos atirando o par num redemoinho de acusações,
contra-acusações, culpas, desvalorizações... um caos. Quando finalmente as
tensões se amainam, voltam a preponderar os sentimentos afetuosos. Se o casal
não percebe de onde surgiram os mal-entendidos, pode se depositar no fundo do
psiquismo um ranço negativo que, em se acumulando com sobras de outras brigas
acabam por tornar problemática a convivência confiante e afetuosa. Já uma
compreensão das motivações da briga fará o casal mergulhar em regiões ainda não
visitadas onde se deparará com preconceitos e suscetibilidades até então não ou
mal percebidas. Poderá, então, cada um agradecer ao parceiro a oportunidade de
ampliar a percepção de si mesmo, do outro e o conseqüente fortalecimento do
sentimento de união criativa.
Inventarei dois exemplos: um casal está
saindo daquele período inicial em que procuram mutuamente se agradar e combinam
serem sinceros quanto aos seus desejos e sentimentos. Digamos que o casal tenha
acertado um fim de semana “a dois” e de repente a mãe do marido exige, implora
que ele vá vê-la. Fiel à prévia e madura combinação, a esposa diz que embora contrariada,
desistirá do programa íntimo e o acompanhará à casa da mãe. A palavra ‘contrariada’
soa ao companheiro como uma desconsideração pela mãe. Reage, então, com um profundo
desagrado que se expressa na sua mímica corporal. A companheira chocada com o
que ela considera uma falta de reconhecimento de seu esforço para tornar a
relação mais madura, e uma traição ao acordo, reage atacando o companheiro que
por sua vez contra-ataca daí surgindo uma altercação. Podemos especular que a
intensa reação emocional se deva a questões psicológicas prévias tais como
necessidade de reconhecimento, sentimentos de rejeição, dependência excessiva
dos pais, ou qualquer outra coisa que possamos imaginar. Se o rapaz percebesse
o esforço da companheira em ser madura e se essa percebesse que a reação dele
estava referida não a ela, mas à sua inconsciente dependência dos pais, o
episódio teria um outro desenrolar. Como, porém, pela primeira vez núcleos
inconscientes foram mobilizados pela relação seria irreal pedir ao casal um
comportamento sensato. O conflito é inevitável. Só depois de os sentimentos se
expressarem torna-se possível um exame ponderado.
Outra situação hipotética- Dois
namorados: ela está gripada e pertence a uma família cuja ideologia inclui a
idéia de cura pelo repouso. Já a ideologia da família dele preconiza que a
pessoa deve continuar suas atividades sem se deixar abater pela gripe. Ele a
convida para jantar num restaurante elegante e ela, gripada, recusa o convite.
Imerso na ideologia de sua família, sente-se rejeitado e reage com raiva. Ela
imersa na própria cultura familiar não entende a sua raiva e acha que ele não
se preocupa com sua saúde. Ambos sentem-se rejeitados. Arma-se o conflito,
explicitam-se conteúdos inconscientes. O conflito pode levar ao rompimento, mas
se for percebido como parte de uma evolução, facilitará a travessia dos
equívocos e permitirá um entendimento e um aprofundamento do conhecimento de
si, do parceiro e do casal.
Os casais que souberem
atravessar as crises dos equívocos, esclarecendo-os, tornar-se-á mais maduro e
unido.
Nahman
Armony
Primeira publicação na
revista CARAS
CONVALESCENÇA
Sentou-se na mais amiga de suas
poltronas, cuja maciez havia acolhido os seus muitos tormentos d’alma.
Protegido por aquele útero materno pôde soltar-se e deixar que sentimentos e
pensamentos o invadissem. Tinha-se subitamente apaixonado por uma mulher
casada, alta funcionária da empresa em que trabalhava Certo dia, por
circunstâncias profissionais, dera-lhe uma carona. De seu corpo exalava uma
espécie de aragem que o invadiu dando-lhe inusitadas sensações de alegria,
felicidade, energia; sentiu que seus canais de sensibilidade se desobstruíam
tornando-o mais sensível à beleza, aos eflúvios da música e da paisagem. A
estranheza destas inesperadas sensações só se diluiu ao se lembrar de que
embora só a conhecesse à distância, já de algum tempo a admirava por suas
muitas qualidades. Mas daí a ser atingido em suas entranhas por um enigmático
sortilégio deixara-o perplexo. Apesar dos obstáculos a relação se intensificou
e aprofundou. E agora estava diante de um dilema. O manancial de prazer inexcedível
tornara-se fonte de extremado sofrimento para ambos. Ela amava o marido e não
pretendia deixá-lo, mas também correspondia ao seu amor no mesmo diapasão de
qualidade e intensidade. Ela não queria perder nenhum dos dois, e ele lhe
exigia que fizesse uma escolha. Estas e outras idéias cruzavam sua mente de
forma desordenada; pareciam ter vida própria misturando-se aleatoriamente,
formando blocos condensados que se desfaziam e refaziam em novos arranjos. Num
súbito impulso levantou-se e colocou no seu som um antigo e esquecido CD de
boleros. Voltou à poltrona deixando-se embalar pela melosidade das músicas. E,
de repente, uma das estrofes apareceu-lhe em vermelho: “Nosotros; que nos
queremos tanto; debemos separarnos; no me preguntes más; no es falta de cariño;
te quiero com mi alma; te juro que te adoro y en nombre deste amor y por tú
bien te digo adiós”. Sentiu um baque no coração cujas batidas lhe falavam agora
de uma mistura de sentimentos: profunda melancolia, tristeza pungente, alívio
libertador. Agitou-se na poltrona que já não lhe parecia tão confortável;
começou a zanzar pela casa, aflito, procurando algo intangível. Voltou à
poltrona e, de repente, desabou: gritou, chorou, implorou, blasfemou: um
inferno de sentimentos. Sentiu que estava arrancando do mais fundo de seu ser
poderosas raízes. A figura amada aparecia e se esvaia, e sentimentos
contraditórios o assaltavam: dor, mágoa, amor, desespero,
impotência, impotência, impotência. Lembrou-se da infância quando tinha se
afeiçoado a um leitãozinho e este subitamente desaparecera para ressurgir como
lombinho assado. Seu sofrimento de menino deixara a família tão impressionada
que tentaram reparar a situação oferecendo-lhe outro animal. Não adiantou, pois
seu afeto dirigia-se para aquele específico. Teve raiva da família,
especialmente da mãe, a encarregada da culinária. À noite sonhou que o leitãozinho
ressuscitara e que novamente brincava com ele abraçando-o, acariciando-o,
pondo-o no colo, mimando-o. Ao acordar deparou-se com a realidade da perda
irremediável e de sua impotência diante do acontecido.
Estas e outras lembranças,
pensamentos e sentimentos percorriam seu corpo de alto a baixo, deixando-o
prostrado, sem forças para se levantar da poltrona. Finalmente dormiu e sonhou
com seu herói da infância: o super-homem que, porém, havia perdido seus super
poderes. Quase como um sonâmbulo levantou-se e trocou o CD de boleros por um de
Zeca Pagodinho sentindo-se atraído especialmente pelo estribilho: “deixa a vida
me levar, vida leva eu...”. Ainda aturdido, pescou o CD de Vinicius e sentiu-se
penetrado pelos versos “sei lá, sei lá, a vida é uma grande ilusão, sei lá, sei
lá, a vida tem sempre razão”. Sentiu que aí começava sua convalescença.
Nahman Armony
DAMAS DA NOITE
Estranhas flores brancas, cândidas alvuras na cerrada mata, despudoradas sereias abrem corolas em perfumes para todos os narizes, leigos, fracassados, sábios, ignaros, alongadas hastes na verde floresta erguem-se frágeis pendentes por sobre o verde abertas em soluço despreparadas sementes despudoradas mulheres envolvem braços, coxas, ateneias, apolos, sem tempo de deixar escorrer nada mais que o tempo que roda, salta, acelera, para, suspira além do além, alongados braços suplicantes, delgadas hastes de cabeças pendidas a olhar o verde abaixo, desesperado fermento, bruma cerração sereias sirenes invadem lares, coração, mentes, pulmões, sem distinção de sexo, valor, riqueza, todos os olhos choram estranhas formas perdidas na verde mata almas penadas de seres infelizes em culpa, tempo parado na floresta verde aprisionado no perfume, altas árvores majestosas acima muito acima - e as pobres hastes frágeis pendentes choram fragrâncias por sobre o jamais visto azul do céu nas folhas abaixo, despudoradas putas penetram narizes, casas, pulmões, mentes,preconceitos, subvertem cidades, bagunçam coretos vingam-se ---- pobres almas virgens fracassadas jamais tocadas sufocadas no eterno verde da luxúria...
Nahman Armony
Nahman Armony
RECALQUE E DISSOCIAÇÃO
Quero fazer algumas
distinções simples que poderiam ser chamadas de fenomenológicas, pois não são
metapsicológicas nem se preocupam em fazer articulação com conceitos. Pretendem
ser observações soltas transmitidas na linguagem disponível. As articulações existentes
são espontâneas não representando um esforço do escritor.
RECALQUE – a
complexidade recalcada fica fora do alcance da consciência e apresenta
resistências quanto a ser percebida por ela. No seu retorno à consciência
aparece disfarçada, por vezes quase irreconhecível ou mesmo irreconhecível. O
recalque mantém a unidade da personalidade. O desejo (ou o trauma) ao ser
recalcado não mais exerce pressão consciente para a sua satisfação, o que
mantém a unidade do Eu. Se alguém deseja duas coisas incompatíveis e uma delas
é recalcada tornando-se inconsciente, ela reaparecerá em forma de sintoma. A
unidade do Eu se mantém.
DISSOCIAÇÃO- a
dissociação evita o conflito. Duas formas de dissociação: DISSOCIAÇÃO COM
CONSCIÊNCIA DAS PARTES DISSOCIADAS: a pessoa quer duas ou mais coisas
incompatíveis e se não recalca uma delas pode sentir-se confusa ou então pode
aceitar o paradoxo de querer, num mesmo momento, coisas incompatíveis.
DISSOCIAÇÃO SEM
CONSCIÊNCIA DAS PARTES DISSOCIADAS: a pessoa pula de um desejo para outro. Mas
geralmente o desejo está inserido numa personalidade e então entra em cena uma
segunda personalidade que cumpre o desejo. É o caso das chamadas dissociações
histéricas em que uma personalidade não tem conhecimento da outra ou em que
umas das personalidades não tem consciência enquanto a outra tem. É o caso de
M. que apresenta uma personalidade militar em certas situações e uma
personalidade psicanalítica em outras situações. Não é uma dissociação como a
estou descrevendo aqui, pois há um conflito inconsciente entre estas duas
personalidades. Ele tem consciência da personalidade que aceita o
homossexualismo e quando é esta personalidade que atua aparece o conflito pois
ele não permite que o desejo e a personalidade recalcados --- aquela que tem
horror ao homossexualismo --- se tornem
conscientes. (Uma mistura de recalque e dissociação?). Quando a personalidade é
a psicanalítica o preconceito é negado não permitindo a tomada de consciência
dos motivos de repúdio do homossexualismo o que acarreta que o homossexualismo
do filho cause sofrimento (sintomas psicossomáticos e ansiedades e depressões
aparentemente sem causa) influindo nas suas ações.
Nahman
Armony
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