A bruma bruxa bruxuleia lenta
O bucho feio brada recheio
Olhos rasados abrem bocas
Negro terror tange Noite.
Boca esquálida trinca dentes
Alvas luas uivam rentes
O branco brado, grande olho vazio
Bruxeia
A bruma bruxa colhe
A noite repentina
O espanto cego pare
Na entranha da menina
A bruta bruxa olha, devora
E anseia.
Nahman Armony
REPRESSÃO E RECALQUE
Como quase sempre em psicanálise
a nomenclatura é imprecisa e variável. Eu uso repressão no sentido de uma força
externa impedindo a manifestação de um impulso. Por exemplo: a polícia
reprimindo uma manifestação popular; um pai impedindo que um bebê ou criança
pegue um objeto frágil; o mesmo pai impedindo o filho de se debruçar em lugares
perigosos (sacadas, janelas). Recalque já é o processo pelo a qual a pessoa,
internalizando a entidade repressora, ela própria impede a manifestação do
desejo ou afeto. Quando falo de recalque penso em um processo inconsciente.
Porém existe um processo consciente de censura da pessoa para si mesma. Estaria
conceitualmente entre a repressão externa e o recalque inconsciente. Por não se
ter lhe dado realce não possui um nome. Eu prefiro ainda chamar de repressão a
chamar de recalque, deixando este último termo para designar especificamente um
processo inconsciente de censura e impedimento. Exemplo: A mãe proíbe um bebê
de pegar um objeto. Toda vez que a criança tenta alcançá-lo a mãe fala um não
que, digamos, varia do carinhoso ao enérgico (não precisa ser agressivo-assustador).
Ao cabo de algumas experiências, o bebê ao se dirigir ao objeto para pegá-lo
(impulso de desejo) pára dizendo para si mesma com intensidade: “não”, “não
pode”. Isto significa que ela internalizou uma figura de autoridade como objeto
interno ainda não inteiramente assimilado. Ela está a meio caminho entre a
repressão externa e o recalque inconsciente. Após algum tempo, o “não” que era uma
ordem de uma figura interna na zona objetal, torna-se incorporada ao eu,
passando a fazer parte do sistema inconsciente de censura: dizemos então que
houve recalque.
Nahman Armony
CONSEQUÊNCIAS POSSÍVEIS DA DIFERENÇA DE NÍVEL NAS RELAÇÕES DE CASAL
Por milênios não houve dúvidas quanto à
superioridade do homem sobre a mulher tanto no meio social quanto no ambiente
doméstico. É sobre este último que nos interessa falar. No passado a ascendência
do homem na família era inconteste. Ele era o poderoso caçador, o homem
público, aquele que tinha uma profissão socialmente reconhecida e valorizada, o
provedor sem o qual a família morreria de fome. Ele tinha o poder que em certa
época chegou a ser um poder de vida e morte sobre cada membro da família. Embora
saibamos que a função caseira da mulher sempre foi da maior importância,
criando e cuidando dos filhos, fornecendo carinho e conforto sexual ao marido,
mantendo um lar como sólida base afetiva e organizacional que proporcionava estabilidade,
segurança e confiança ao cônjuge --- apesar de todos estes atributos indispensáveis
à tranqüilidade e ao bom desempenho --- a sociedade tinha um olhar desdenhoso
para as mulheres como se seu trabalho fosse de tão pouco valia que nem
merecesse consideração.
Estou falando de uma atribuição de
inferioridade à mulher e de superioridade ao homem situação a partir da qual se
desenvolvia uma luta surda da mulher na conquista de uma posição de maior poder
na família. Suas armas --- a influência sobre os filhos, a recusa ao sexo, o
jogo da indiferença, do ciúme e outros --- dificilmente poderiam se igualar à
grande arma do homem: a família depender dele financeira e socialmente.
Hoje (já de algum tempo) a situação
mudou. Uma significativa percentagem de mulheres é gerenciadora de família e
ganha mais que o homem. Há, porém, na sua alma, uma marca ancestral de subordinação
e conciliação que atrapalha a mulher no uso deste poder, um poder que pode ser empregado
para estabelecer uma relação igualitária.
Um exemplo comovente desta dificuldade
de aceitar e assumir a situação de privilégio nos foi fornecido por uma sincera
e generosa entrevista de Whitney Houston na televisão, falando de suas
dificuldades com um marido menos famoso e menos abonado ---- que se sentindo
inferiorizado a agredia ---- e de seus esforços para preservar a relação,
esforços que tinham a ver com sua educação religiosa, com o valor dado à presença
do pai numa família com filhos e com a crença numa conciliação possível. Para
atingir seu objetivo Whitney tentou se apagar para que o marido pudesse
sobressair. Pode-se bem prever o resultado desta atitude. Ela se deprimiu,
tornando-se usuária assídua de drogas pesadas, entrou numa posição masoquista
de quem está disposta a qualquer coisa para preservar o casamento, o que só fez
estimular a atuação sádica do marido. No final do processo, já arrasada, ela
finalmente se separou e pôde começar a se afastar das drogas.
Na minha clínica tenho outro exemplo
deste teor. Um marido que inicialmente detinha o saber/poder do casal, ao
ensinar o que sabia da profissão à esposa, veio a se sentir superado por ela.
Ela que compensava com seu não-saber o profundo sentimento de desvalia do
marido, permitindo-lhe aceder a um tranqüilizador sentimento de auto-afirmação
e auto-estima (mas que dependia da superioridade que sentia em relação à
esposa), tornou-se a algoz que mobilizava o seu profundo sentimento de inferioridade.
Decorreu daí um comportamento freqüentemente agressivo do marido cujo resultado
final foi uma recusa da esposa em continuar convivendo com ele.
Temos na atualidade uma situação nova que
desestabiliza os casais e que exige um esforço de conhecimento de si e da
dinâmica do casal. O homem deverá trabalhar seus sentimentos de inferioridade
advindos de uma posição de regalia da esposa, e a mulher deve ao mesmo tempo
tomar cuidado para não alimentar o sentimento de humilhação e inferioridade do
marido, sem, porém amortecer sua própria potência de realização.
Nahman Armony
Primeira publicação na revista CARAS
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