TEMA E ASCENÇÕES

                                 
                           Os carinhos
                          Esculpem os corpos
                       Na forma do amor

                                    A noite é infinita.


                  Os corpos 
                               Esculpem a poesia
                          Na emoção da noite.

                                    O amor é para sempre.


                 O infinito
                             Esculpe o amor
                        Na forma de corpos 

                                     A noite é poesia.     
                                                 

                                                              Nahman Armony

Blog do Nahman: HORMÔNIOS E SENTIMENTOS

Blog do Nahman: HORMÔNIOS E SENTIMENTOS: Ontem assisti a parte do programa milênio onde uma pessoa que presumo ser um neurocientista falava dos sentimentos humanos em termos de...

HORMÔNIOS E SENTIMENTOS



Ontem assisti a parte do programa milênio onde uma pessoa que presumo ser um neurocientista falava dos sentimentos humanos em termos de hormônios. Certamente os hormônios existem. A questão é: eles acompanham nossos sentimentos ou provocam nossos sentimentos? Ou nenhuma das duas coisas? Não seriam sentimentos e hormônios dois aspectos de uma mesma realidade? Não seria mais adequado pensar em termos de monismo e não de dicotomia? Eu já pensei e escrevi algo a respeito. Uma descoberta feita por um neurocientista e confirmada por outros foi decisiva para que eu formasse uma ideia a respeito desta questão. Antes que tomemos consciência de alguma coisa os circuitos cerebrais já entraram em ação. Se, por exemplo, meus neurônios inconscientes me preparam para realizar uma ação como pegar um objeto segundos antes do Eu consciente pensar em realizar tal ação, os neurônios correspondentes já foram ativados. A partir daí pensei que a melhor formulação para esta maneira de funcionamento era dizer que é o cérebro que pensa. A mente, a consciência, o eu são também formas sofisticadas de funcionamento cerebral, isto é, dos circuitos e mapas neurônicos. Pertencem a uma outra forma de conhecimento/ação. É o acréscimo humano às formas de conhecimento/ação de outros mamíferos que depende de uma complexificação dos circuitos cerebrais e que justamente permitem uma amplitude maior de conhecimento/ação. Portanto, a formas primitivas de conhecimento/ação inconscientes se acrescenta no Homem o conhecimento daquilo que ocorre nos circuitos cerebrais mais primitivos. Eu não só conheço e ajo no mundo como fazem todos os animais como também percebo a minha ação e os caminhos que me levaram a ela. Desde o início da marcha evolutiva a possibilidade de conhecer o mundo e atuar nele foi fundamental para a sobrevivência. O ponto máximo a que chegamos neste momento da evolução é a aparição da consciência/mente/eu. Pode ser que no futuro hajam outros passos evolutivos. Pode-se mesmo pensar que a parapsicologia, hoje um fenômeno tão esparso que podemos ou não acreditar nele, possa ser este outro passo. Haveria então uma ampliação maior do conhecimento/ação do Homem.

Outro aspecto referente à entrevista A adrenalina injetável produz efeitos generalizados afetando todo o comportamento mas sem uma direcionamento referente a uma relação intersubjetiva ou interpessoal. Se fosse possível dar uma injeção de oxitocina teríamos um sentimento generalizado e não dirigido de amor. Isto é muito diferente da oxitocina que produzimos quando estamos nos relacionando com alguém pois neste caso o sentimento de amor tem um alvo, um sentido, uma direção. 

                                                                                                  Nahman Armony

Blog do Nahman: CRIATIVIDADE E SAÚDE

Blog do Nahman: CRIATIVIDADE E SAÚDE: CRIATIVIDADE E SAÚDE                                   Nahman Armony         Tanto para Freud como para Winnicott há uma íntima relação...

CRIATIVIDADE E SAÚDE

CRIATIVIDADE E SAÚDE
                                  Nahman Armony
        Tanto para Freud como para Winnicott há uma íntima relação entre criatividade  e saúde mental. São, porém concepções que apresentam diferenças.
A primeira das diferenças está nas conotações da palavra “criatividade”. Freud a usa no sentido corrente, cotidiano, corriqueiro: a produção de algo novo. É o significado dicionarizado.
Já Winnicott dá uma conotação inédita à palavra: criatividade é “criar o que já existe”. Logo veremos os desdobramentos deste mote. Por enquanto estou querendo distinguir as concepções destes dois gigantes.
Para o Freud da primeira tópica a criatividade depende basicamente da sublimação que é a transformação da libido sexual em energia neutra. Esta então pode ser usada para outros fins entre os quais está incluída a criatividade. A libido sexual ao se transformar em energia neutra ou em libido narcísica cede parte de sua força pulsional. A criatividade, pois se alimenta da sexualidade diminuindo a força desta última. Citação em Leonardo da Vinci, v.11: “Constatamos a veracidade deste fato se ocorrer uma atrofia estranha durante a vida sexual da maturidade, como se uma parcela da atividade sexual houvesse sido agora substituída pela atividade do impulso dominante”.
Este mesmo sequestro da sexualidade continua sendo postulado por Freud na segunda tópica. Citando: (O Ego e o Id”, v.19 de 1924, cap.III intitulado “O Ego e o Superego”): “Em verdade, surge a questão, que merece consideração cuidadosa, de saber se este não será o caminho universal à sublimação, se toda sublimação não se efetua através da mediação do ego, que começa por transformar a libido objetal sexual em narcísica e, depois, talvez, passa a fornecer-lhe outro objetivo.” Em 1932, na Conferência 32 Freud reafirma a vinculação entre as pulsões dizendo que uma pulsão pode ser substituída por outra. O aumento da força de uma implica em um decréscimo na força da outra.
Para Winnicott criatividade é uma força primária e portanto não se exerce às expensas da sexualidade. Sexualidade e criatividade são duas potências independentes e fazem parte daquilo que Winnicott chamou de “força vital”. Força vital é o correspondente à pulsão de vida de Freud.
Winnicott dá uma conotação original à palavra criatividade dizendo que criar é criar o que já existe. A situação matriz que ele descreve é a de um bebê com fome alucinando um seio que o saciará. Se, neste instante a mãe comparece com o seu seio cheio de leite a vivência do bebê é de que ele criou o seio. Estou simplificando uma situação complexa e continuarei nesta linha, pois é preciso primeiro simplificar para entender bem os conceitos deixando para depois a complexidade dos acontecimentos. Então, para nosso objetivo o importante aqui é justamente a vivência de ter criado o seio, isto é, ter “criado o que já existe” que é o refrão de Winnicott. Na sua linguagem há um encontro do subjetivamente concebido (o seio alucinado) com o objetivamente percebido (a existência real do seio). Tendo o bebê criado o seio, este lhe pertence, é uma parte sua, mesmo que distinga o objeto seio do seu corpo próprio. Agora apresentarei uma situação para contrastar a criatividade que liga indissoluvelmente o ser humano ao mundo com as consequências da ausência deste tipo de criatividade. Imaginemos duas situações: na primeira o bebê está com fome e imagina um seio que o saciará. O seio aparece. Ele criou o seio. Na segunda o bebê não está com fome, mas a mãe insiste em lhe dar o peito, pois dentro de seu esquema estaria na hora de fazê-lo. Este seio não é inventado pelo bebê, mas imposto pela mãe, pelo mundo externo. Ele é objetivamente percebido, mas não subjetivamente concebido. O bebê ou se revolta ou se submete ou ambas as coisas. De qualquer forma o seio é um objeto pelo qual, naquele momento, o bebê tem aversão, pois é sentido como invasivo, agressivo. Ele então recolhe o seu desejo verdadeiro e se submete à mãe para satisfazê-la. Ele não mama com o seu verdadeiro self, mas com o conformismo de um falso self. Ele não se sente afetivamente, corporalmente, ligado a esse seio. Há um desligamento emocional que faz a amamentação perder o seu caráter afetivo. Torna-se um ato instintivo e intelectual.
Um outro exemplo para reforçar a compreensão do conceito e para preparar a teorização que se seguirá. O primeiro exemplo foi do campo das necessidades básicas. Este segundo exemplo será do campo da ética, ou, como Winnicott prefere, da moral. Winnicott usará a religião para expor seu pensamento (MORAL E EDUCAÇÃO do livro O AMBIENTE E OS PROCESSOS DE MATURAÇÃO). Para crer em alguma coisa a criança precisa de estar subjetivamente disposta a crer. Se ela teve pais suficientemente bons e confiáveis ela neles acredita, internalizando em sua subjetividade a insinuância “crer em”. Ela está pronta a escolher e abrigar, ao menos parcialmente, um dos objetos de crença que a cultura oferece. Em encontrando este objeto (seja uma religião, uma filosofia, uma ideologia, etc.) que é objetivo por ser consensual haverá o encontro do subjetivamente concebido com o objetivamente percebido. Um encontro frutuoso do objetivo com o subjetivo. A fome moldou um seio subjetivo que ao se encontrar com o seio objetivo criou um forte elo entre o sujeito e o mundo. A “crença em” subjetiva, ao encontrar um objeto consensual apropriado também vincula o objetivo ao subjetivo.
Da mesma forma que uma mãe intrusiva impõe o seio ao bebê tornando-o um ser submisso, estorvando  sua criatividade, uma sociedade intrusiva impõe ideologias. Ambas agem no sentido de obter uma submissão impeditiva do uso da criatividade. Ambas provocam uma dicotomia, dissociando o falso do verdadeiro self, intelectualizando o mundo e tornando-o fútil, afetivamente sem sentido. Tal como não se deve impor o seio, também não se deve fazê-lo com a ideologia. Deve-se esperar que o desejo de “crer em” faça com que o ser humano busque uma ideologia adequada a sua personalidade que então terá elementos subjetivamente concebidos e objetivamente percebidos. Essa ideologia estará, pois situada no espaço transicional. Portanto, fora da dissociação falso self/verdadeiro self.  
Um último exemplo: a aurora, o pôr do sol e outros espetáculos da natureza podem deixar o espectador indiferente ou deslumbrado. Se o espectador que tem fome de comida, fome de ideologia, também tiver fome de beleza ele contemplará com enlevo as manifestações da natureza. Sua subjetividade irá de encontro à objetividade do acontecimento tingindo-o com suas emoções. Ele sabe que o sol é uma estrela que descreve uma trajetória. Mas ao mesmo tempo é uma tocante dádiva dos deuses. Cada aurora será vivida de forma diferencialmente diversa e semelhante, pois o complexo subjetivo de uma ocasião é diferente do complexo subjetivo de outra. Cada aurora será, pois recriada tantas vezes quantas for vista. Por outro lado é possível não se ligar à beleza do acontecimento, ficando-se restrito à objetividade sol.
        Com estes exemplos eu quis distinguir modos de ser afetivo e desafetivo. Este último busca objetificar a existência. Mas um mundo puramente objetivo perde sua razão de ser, deixa de fazer sentido, provocando uma sensação de tédio, de futilidade, de descolamento. O desapego pode funcionar por algum tempo, mas em geral cobra um pesado tributo. Repetindo e acrescentando: uma pessoa não criativa (no sentido winnicottiano) desliga-se afetivamente do mundo que lhe aparece sem sentido, fútil, estranho. Sua ligação com ele torna-se intelectualizada, ocupando o polo objetivo do espaço transicional e portanto, paradoxalmente, fora do espaço transicional. É o seu falso self que domina o psiquismo estando o verdadeiro self dissociado e disfuncional. A sensação de ser um E.T. geralmente provoca um sofrimento que pode levar até o suicídio. Certamente isto não é saúde. Uma condição necessária para a saúde de uma pessoa  é o sentimento de pertencer ao mundo e o mundo lhe pertencer. E isto só acontece quando a pessoa cria o que já existe que é o que Winnicott chama de criatividade.
        Bem, esta é a minha contribuição no que diz respeito às relações entre criatividade e saúde mental.   Mas Winnicott tem mais coisas interessantes a dizer: na p.237 de seu livro “Pensando sobre crianças” ele afirma que a saúde mental da criança não tem a ver com a presença ou a ausência de sintomas. A vida e o desenvolvimento individual são tão cheios de vicissitudes que inevitavelmente haverá sofrimentos. Se a provisão ambiental for suficientemente boa, o individuo vencerá os percalços do desenvolvimento e prosseguirá em seu caminho para a maturidade. Isto significa que a criança deverá ser considerada em um contexto maior no qual estarão presentes entre outros fatores o ambiente e desenvolvimento futuro. Eu acrescentaria que quando se trata de adultos deverá existir uma provisão ambiental internalizada que sofrerá variações dependentes do acolhimento do ambiente externo, isto é, da provisão ambiental externa.
Mas Winnicott tem mais coisas interessantes a nos dizer. Tentarei resumir e falar com minhas próprias palavras o que encontrei nas páginas 136 e 137 do livro “A Família e o Desenvolvimento Individual”: Winnicott identifica a relativa maturidade à saúde. Para amadurecer o ser humano necessita de um ambiente suficientemente bom (um ambiente provedor) que acolha e lide adequadamente com as dificuldades do crescimento pessoal. De início este ambiente é a mãe, depois a família restrita, mais adiante a família estendida, a escola, e finalmente as instituições e agrupamentos sociais. Na medida em que cresce, o ser humano vai criando uma provisão ambiental interna que lhe permite, até certo ponto, suportar um ambiente não acolhedor. Vou citar um trecho do artigo “Família e maturidade emocional” que consta do livro acima citado: “Esse raciocínio identifica a maturidade adulta à sanidade psiquiátrica. Pode-se dizer que o adulto maduro é capaz de identificar-se a agrupamentos ou instituições sociais sem perder o sentido da continuidade pessoal e sem sacrificar em demasia seus impulsos espontâneos; isto é uma das raízes da criatividade” (p. 137). Acredito que Winnicott esteja dizendo que para ser criativo é preciso ser espontâneo. Na submissão a pessoa não pode ser criativa, pois tem de obedecer a preceitos que lhe foram impostos. A criatividade é o contrário da submissão e da revolta. A revolta contra a submissão interna é a luta para alcançar a criatividade. A criatividade necessita da espontaneidade. A submissão necessita da obediência irrestrita. A submissão leva a um modo de ser neurótico e a espontaneidade a um modo de ser borderline. Citando: “Surge a questão: o que é normalidade? Bem, podemos dizer que, na saúde, o indivíduo foi capaz de organizar suas defesas contra os conflitos intoleráveis da realidade psíquica pessoal, mas em contraste com a pessoa doente de psiconeurose, a pessoa sadia é relativamente livre da repressão maciça e da inibição do instinto. Na saúde também, o indivíduo pode empregar todo tipo de defesas, e mudar de uma para outra, e, na realidade, não apresenta aquela rigidez de organização defensiva que caracteriza a pessoa enferma. Havendo dito tudo isto, quero sugerir que, clinicamente, o indivíduo realmente sadio está mais próximo da depressão e da loucura que da psiconeurose”. (Do livro “Explorações psicanalíticas”, artigo “Psiconeurose na Infância”, p.58). Concordando com esta citação posso dizer que o borderline brando, menos reprimido e inibido que o neurótico está em contato mais íntimo com seu inconsciente, fonte de suas intuições criativas. O neurótico mais defendido, mais inibido e menos espontâneo tem dificuldades de deixar fluir as intuições, necessitando de um grande trabalho intelectual para alcançá-las. Freud dizia que aquilo que ele conseguia com muito esforço através de um raciocínio e elaboração demorados, os poetas e escritores criativos conseguiam de chofre através da intuição. Essa situação tem a ver com a camisa de força em que o neurótico está metido e a relativa liberdade que é atributo do borderline brando. Como disse mestre Winnicott: a criatividade e a saúde estão mais próximas da loucura que da neurose.    
Obrigado.           
                                               6/11/13
                                                               


      

AZUL É A COR MAIS QUENTE

AZUL É A COR MAIS QUENTE
                                                           Nahman Armony
        Este é um filme riquíssimo que pode ser abordado de diferentes pontos de vista e que traz a tona inúmeras vicissitudes do ser humano no seu desenvolvimento. Do filme focalizarei dois aspectos: as diferenças entre o modo de amar de cada uma das protagonistas, e o aspecto de amadurecimento trazido pelo sofrimento. Estes últimos advêm das frustrações e sofrimentos e mancham o azul paradisíaco com cores ferventes, lúgubres, lutuosas e outras, numa amálgama que se coaduna com a realidade da vida.       Qual a idade de Adèle e a de Emma, as duas protagonistas deste filme? Digamos que Adèle tenha uns 16 anos e Emma uns vinte e poucos. Mas isso interessa menos que a atitude de ambas. Adèle é uma jovem voraz, insatisfeita, desejosa de engolir o mundo para experimentá-lo e que sabe pouco de si mesma. Podemos dizer que ela está em busca da formação de uma identidade. Emma, mais tranquila e experiente, está mais cônscia de seus desejos e de sua identidade. Adèle mergulha num turbilhão de sentimentos, na tentativa de construir-se. Sua relação com um rapaz lhe é insatisfatória mesmo porque já havia se apaixonado por uma moça cujos cabelos azuis marcam uma diferença que a fascina. Seu olhar atrai o olhar de Emma que a olha com um interesse erótico. Os olhares das duas jovens (e isto só saberemos com mais certeza com o desenvolvimento do filme) têm diferentes significados: Adèle é imediatamente lançada no abismo da paixão devoradora, uma paixão que quer apropriar-se da personalidade da outra, mas sem roubá-la. Adèle necessita participar da feminilidade de Emma para formar a sua própria. Digamos que ela se apaixona por aquilo que difusamente sente que seja o SER de Emma. Esta, por sua vez, tem uma paixão erótica mais superficial. Adéle a atrai por sua beleza ingênua, por sua mocidade, por sua avidez, pela paixão idealizada que a adolescente lhe devota. Ela aceita então os seus avanços afetivos, eróticos e sexuais. Ela tem prazer em lhe ensinar os segredos femininos do amor e do sexo. Mas este aprendizado se esgota assim como se esgota a experiência de fusão e simbiose. Ela agora se incomoda com os modos simplórios, com a falta de ambição e mesmo, com a dedicação excessiva da namorada. Seu desejo então se dirige para a antiga amante, intelectualmente mais próxima dela e com quem podia realizar trocas não só afetivas, mas também culturais. Sua insatisfação para com Adèle se manifesta pelas críticas a sua formação cultural, pelo seu afastamento, e pela sua evidente satisfação em desfrutar da companhia da outra. Adèle, perturbada, procura se distrair para combater a inquietação e sofrimento que o comportamento de Emma lhe causa e acaba por ter um affaire com um colega de trabalho. Emma tem uma crise de raiva e expulsa a namorada de sua casa desbotando o azul da idealização juvenil. A frustração, o sofrimento, a impossibilidade de mudar a situação mostram a Adèle que a vida não é um paraíso e que ela deverá suportar dores e desilusões. O golpe final acontece quando após alguns anos ambas se encontram a pedido de Adèle e, apesar da mútua atração, Emma escolhe ficar com a pessoa que lhe é mais próxima, não pela paixão sexual que continua pertencendo a Adéle, mas pela maneira de pensar, pelos objetivos na vida, pela sofisticação cultural. É mais um baque na onipotência de Adèle reforçando sua percepção da indiferença e implacabilidade do destino. As pancadas do fado obrigam-na a amadurecer. Este é o aspecto necessário e positivo das decepções amorosas.

         

PARA UMA CIDADE QUE PASSA



De repente
            o firmamento se condensa

Pequenos glóbulos de luz
Se aglomeram
Em traçados retilíneos

Alguns rebeldes
Juntam-se em imprevistas formas

Outros
      Desgarram-se
               Sinalam o ponto de fuga

Aos poucos
        as luzes se espraiam
Rarefazem-se
Desaparecem
Retornam à origem



Milhões de anos-luz
Aproximados pelo Homem

Imitação de Deus
Amontoando o Infinito
Na milésima parte de um cisco

                               O Olho.

                                                              Nahman Armony

O ENCONTRO AMOROSO

 À noite, quando uma mãe põe o filho para dormir, dirigindo-lhe palavras meigas, cantando cantigas de ninar, os embates e as malcriações ocorridos durante o dia ficam esquecidos como se não tivessem acontecido. É um momento mágico de encontro de afetividades limpas e um bálsamo regenerador das inevitáveis angústias e conflitos da relação.
Quando a mãe e/ou o filho carregam  ressentimentos no momento do encontro amoroso,  uma inquietude se aloja na alma dos dois, impedindo a entrega total e a renovação das subjetividades. A mãe, diante de seu bebê amado, tem a capacidade de divalência, isto é, de fazer uma separação absoluta entre a raiva e o amor. Fico impressionado com as mães que logo após uma discussão com o marido, por exemplo, conseguem, no momento seguinte, expulsar os sentimentos negativos e se relacionar com seu bebê como anjos imaculados.
Por outro lado, existem mães que ao colocar o filho na cama têm o seguinte sentimento: “Ah, você me atazanou o dia inteiro, mas agora que precisa de mim para se tranquilizar e adormecer está bonzinho”. Esta sensação ambivalente lança uma sombra sobre o momento de entrega afetiva, tornando-o impuro e retirando parcelas de sua potência recuperadora.
Exemplificando essa dualidade: uma analisanda da minha clínica percebia uma diferença entre o abraço da mãe e o da babá. O abraço da primeira não proporcionava plena sensação de bem-estar, enquanto os abraços totalmente abertos da babá eram um refúgio abençoado. Por que o abraço da mãe não seria satisfatório, afinal? Pode ser que ela tivesse, mesmo nestes momentos especiais, a cotidiana ambiguidade, em que amor e ódio ocupam um mesmo espaço, impedindo a manifestação plena dos afetos, não conseguindo transformar a ambivalência de sentimentos em divalência, isto é, não podendo realizar na hora da intimidade uma separação radical entre os sentimentos negativos e os positivos. 
Encontramos estes mesmos desenhos, com as devidas modificações, no relacionamento amoroso de casais adultos. Passado o período da paixão, quando as diferenças não entram em pauta, aparecem os inevitáveis conflitos com os consequentes sentimentos de frustração, raiva, medo e insatisfação. Se o casal ou um dos parceiros armazenar estes sentimentos negativos, levando-os para todos os momentos da relação, especialmente para a hora do carinho e do sexo amoroso, não será possível um encontro despojado, purificado. A restauração intersubjetiva será incompleta e o descontentamento penetrará cada vez mais no mar das almas, até que a convivência de casal perca a sua razão de existir.
Se os dois sentirem as brigas e as picuinhas como contingentes, a relação torna-se diferente. No encontro amoroso vigorará só o essencial, ou seja, o amor terno, a admiração, o enlevo, a interpenetração apaixonada das carnes e das almas. Esta experiência será tão extraordinária e sublime que o casal desejará repeti-la sempre e sempre. A relação de casal valerá a pena, apesar dos embates das personalidades no convívio diário mas que desaparecerão na hora do encontro mágico, proporcionando um transcendente sentimento oceânico pelo qual vale a pena lutar.
    

                        Nahman Armony