CASTRAÇÃO E LIMITE
Castração é um termo usado pela primeira vez como conceito psicológico/psicanalítico por Freud e é a esta castração que vou me referir nas próximas linhas. A castração pertence ao campo do neurótico e o limite ao campo do borderline. A castração, palavra evocadora de brutalidade, duramente imposta, e que em Freud se refere à proibição do incesto com a mãe, é, quando examinada de um ponto de vista mais amplo, uma metáfora da injunção ao abandono de características femininas como empatia, identificação dual-porosa, etc., para poder se tornar um verdadeiro Homem. Ser homem com H maiúsculo é proibir o feminino no menino e no adulto do sexo masculino, estimulando a dureza, a implacabilidade, a impiedade.
Já na colocação de limites, o carinho e sensibilidade da mãe no trato com a criança presentificam modos de relacionamento e valores que não à-toa chamamos de femininos tais como empatia, dual-porosidade, compaixão, percepção sutil, intuição, atividade conciliadora, etc. Estas características se conservarão nos meninos e nos homens adultos desde que não haja uma interferência castradora. Nesse caso os modos de relacionamento e os valores da mãe advindos da relação afetuosa com o filho são preservados, só aparecendo a questão do incesto e fixação materna em situações de desenvolvimento distorcido quando então uma ação terapêutica se faz necessária. A castração é um conceito cunhado por Freud e refere-se em uma ação dura, cruel, enquanto que a colocação de limites nós a encontramos nos escritos de Winnicott como uma atividade realizada com amorosidade. Seguem-se citações de Freud e Winnicott.
Freud: “O superego conservará o caráter do pai, e quanto mais intenso foi o complexo de Édipo e mais rapidamente se produziu a sua repressão (pela influência da autoridade, a doutrina religiosa, a educação, a leitura), tanto mais rigoroso será depois o império do superego como consciência moral, talvez também como sentimento inconsciente de culpa, sobre o ego”[1]. Outra citação de Freud: “O superego reteve características essenciais das pessoas introjetadas — a sua força, sua severidade, a sua inclinação a supervisar e punir. Como já disse noutro lugar, é facilmente concebível que, graças à desfusão de instinto que ocorre juntamente com essa introdução no ego, a severidade fosse aumentada. O superego — a consciência em ação no ego — pode então tornar-se dura, cruel e inexorável contra o ego que está a seu cargo. O Imperativo Categórico de Kant é, assim, o herdeiro direto do complexo de Édipo”[2].
Winnicott: “Fica claro que, de acordo com a teoria que uso em meu trabalho, você está possibilitando ao seu filho desenvolver um sentido de certo e de errado ao ser uma pessoa confiável nessa fase formativa inicial das experiências da vida dele. Se não tiver êxito com o seu bebê desse modo (e certamente se sairá melhor com um bebê do que com um outro), terá de tirar o melhor proveito possível de ser estritamente um ser humano, embora saiba que coisas muito melhores poderiam estar acontecendo no processo de desenvolvimento natural da criança. Se fracassar por completo, então deve tentar implantar idéias de certo e errado através do ensino e do treinamento assíduo. Mas isso é um substituto para o procedimento realmente válido, é uma confissão de fracasso e você vai detestar essa idéia; e, em todo caso, esse método só funciona desde que você, ou alguém atuando no seu lugar, esteja presente a fim de impor a sua vontade. Por outro lado, se puder dar a partida para o seu bebê de modo que, através da sua confiabilidade, ele desenvolva um sentido pessoal de certo e errado, em vez de medos primitivos e toscos de retaliação, você descobrirá mais tarde que pode reforçar as idéias de seu filho e enriquecê-lo com as suas próprias idéias”[3].
A distinção entre a castração freudiana e o limite winnicotianno é tão mais nítida quanto mais radical e traumática é a castração. Na subjetividade neurótica o acesso ao feminino do homem é impedido mediante esta ação castradora. Na prática esta castração é principalmente exercida pelo pai que impede o acesso da criança aos seus aspectos femininos de empatia, capacidade de identificação, sensibilidade sutil, etc. Hoje, na classe média educada e informada a brutalidade castradora encontra-se atenuada e pode-se mesmo dizer que está se espalhando uma ação não mais de castração, mas de colocação de limites. Quando falo de castração penso em violência em seus diversos graus. Quando falo de limites também penso em graus de tranqüilidade, amorosidade, respeitadoras da subjetividade da criança. Gosto de usar para a castração a imagem de um muro compacto contra o qual a criança irá se chocar e se machucar; já o limite eu o vejo como uma cortina de veludo, macia e flexível que oferecerá proteção e limite à criança sem machucá-la. O pai impiedosamente castrador do século XIX que vemos em filmes como “A fita branca” está desaparecendo nas classes médias dos centros urbanos. Os pais em geral são amorosos com os filhos e as proibições são realizadas de uma forma delicada, carinhosa e sensível. A repressão que vem dos pais já não é mais traumática, castradora, violenta e isto faz uma diferença. Considero este item da maior importância para o futuro psicológico do ser humano.  Por esta razão vou me estender nesse assunto. Sabemos que as proibições que a criança impõe a si mesma podem ser muito intensas mesmo quando os limites são dados por uma figura benigna. Esta benignidade tem sua importância, pois evita a introjeção de uma personificação despótica. A pressão que a criança necessariamente tem de exercer sobre si mesma para conter seus desejos imaturos emanam da força ditatorial das palavras em si e não do pavor/pânico provocados por uma figura tirânica assustadora vociferando ordens. Esta nova maneira de colocar limites muda a qualidade do recalque e permite que processos de divisão do eu tenham um lugar mais proeminente no psiquismo.
O que quero dizer com recalque benigno? Vou abusar da boa vontade dos colegas, expondo uma outra variante da diferença existente entre um recalque provocado por palavras de ordem e outro modo de recalque que inclui uma ação repressora dura de uma figura tirânica. Desenvolvendo: recalque de boa qualidade foi uma expressão que encontrei para distinguir o recalque feito de si para si, do recalque oriundo de um trauma externo maligno(Winnicott) por choque ou por tensão cumulativa (Kris, Khan): o bebê e a criança necessitam de obsessivamente repetir para si mesmas as proibições e exercer uma suficiente pressão para conseguir conter seus desejos. Vemos então uma criança dizendo para si mesma em voz de comando: “não pode”. Acho que devemos distinguir esta voz de comando à qual a criança recorre para a aceitação de limites (que podem ter sido colocados pelos pais com a maior doçura) da imposição severa e insensível dos pais. Eu chamaria a primeira de proibição autoinduzida na qual não se dá a introjeção de uma Personificação de Pai autoritária e insensível, e a segunda de proibição autoritária na qual uma Personificação de Autoridade de Direito Olímpico Inabalável e Incontestável se impõe como figura ameaçadora. No primeiro caso o bebê e a criança criam uma proibição adequada às suas necessidades psicológicas e no segundo caso a invasão castradora não respeita a organização psíquica forçando sua entrada no psiquismo do bebê e lá deixando uma marca. Uma marca diferente da marca que o próprio bebê se coloca, pois a que ele se coloca está dentro de suas possibilidades de suportar o trauma sem uma quebra significativa da continuidade de ser. Usando os conceitos que Winnicott apresentou no artigo “O conceito de trauma em relação ao desenvolvimento do indivíduo dentro da família” (em Explorações Psicanalíticas, p.114) podemos dizer que a auto-imposição do bebê e da criança é um trauma benigno enquanto que a imposição dura, severa e insensível dos pais é um trauma que será tanto mais maligno quanto mais ríspida e insensível for a intervenção paterna. Neste caso o pai será internalizado como uma Entidade Maligna Invasiva e não como um pai amoroso protetor.


[1]FREUD, S.- “O Ego e o Id” Vol.XIX da Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.36.
[2] FREUD, S. (1924) O problema econômico do masoquismo. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.208-209. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.)
[3]WINNICOTT, D.W. - “O desenvolvimento do sentido do certo e do errado em uma criança” in Coversando com os pais. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p.125-126. 

FEMININO E MASCULINO



            O masculino corre, o feminino colhe.
            O feminino-maternal é receptividade. O masculino é atividade. Mas o feminino é também atividade, pois em sua passividade receptiva atrai para si os acontecimentos como um óvulo atrai espermatozóides. O feminino é abrangente, abarcando, num único olhar, a totalidade. O feminino não precisa de se movimentar para conhecer; os acontecimentos caem docilmente aos seus pés, rendendo-lhe homenagem. Sendo imã imóvel, está dotado de uma aura que atrai para o seu âmbito os acontecimentos, tornando-se o centro deles.
             O masculino é penetração, é movimento rompente, é busca incessante. Necessita do movimento  para a apreensão da realidade. Inquieto, ativo e desbravador visita um objeto por vez; não contendo a totalidade precisa percorrer um a um os objetos do mundo para alcançar o conhecimento; lembra a abelha operosa que carece de pousar em inúmeras flores para fabricar  seu mel. O feminino é contemplativo, é intuitivo; de um só golpe alcança a totalidade porque a totalidade está nele contido. O feminino espera que o momento propício manifeste-se por si mesmo. O masculino se precipita. O feminino embarca no movimento que está à sua frente. O masculino interfere ativamente no movimento, alterando seu ritmo e mudando bruscamente seu rumo. O feminino toca delicadamente nos pontos sensíveis, nas brechas dos acontecimentos, impulsionando-os suavemente, desfazendo obstáculos, restabelecendo continuidades. O feminino não interfere, não empurra; apenas acolhe. O masculino é rude; entra afirmando sua própria existência em contraposição a outra existência. O feminino se apresenta não em contraposição, mas como um acrescentamento, uma complementação, um reforço, um continente, uma compreensão; providencia um encaixe de existências estabelecendo continuidades. Na sua imobilidade e contemplação ativas o feminino atrai os acontecimentos para si conhecendo-os numa simultaneidade. O masculino em sua atividade conhece elemento por elemento e os reúne num percurso de sucessão. O feminino pertence ao curso dos acontecimentos e sua intervenção é silenciosa, uma não-intervenção. O masculino é externo ao fluxo da realidade e sua intervenção é barulhenta. O feminino nem retarda nem apressa o tempo; seu tempo nem é cronológico nem aiônico; seu tempo é o tempo da oportunidade, é o tempo do lapso a ser acudido, tempo pontual que ao restabelecer a continuidade volta a nela desaparecer, volatilizando-se no fluir da vida.
            A percepção masculina é um olhar que varre como um radar todo o espaço para o reconhecimento dos amigos e inimigos. A percepção feminina não tem de varrer o campo com o seu olhar. Seu olhar é tão amplo que abarca todo o perceptível. Seu olhar não é apenas um olhar dos olhos, mas um olhar de todo o corpo, de toda a sensibilidade, de tal maneira que os objetos se juntam para serem percebidos de uma só vez. O olhar masculino é explorador, o olhar feminino é amoroso. O olhar masculino realiza a seqüência temporal dispersão-análise-síntese. Para o olhar feminino os objetos se apresentam já unificados, globalizados.
            O feminino é naturalmente contemplativo. Não precisa de fazer esforço para sê-lo. Sabe, por pura contemplação, qual o momento de intervir e intervém para o amor, para a conjunção. Já o masculino precisa de parar o movimento para contemplar. Porém, ao parar o movimento, ele se encontra perdido, pois tendo por essência a penetração e não a receptividade, não está preparado para a contemplação. Tudo o que consegue - ligando as percepções individuais por intermédio de um pensamento racional -  é um arremedo de contemplação.
            A contemplação feminina acompanha o movimento da vida, intervindo nos espaços vazios, naqueles espaços que a chamam para intervir. O feminino surge providencialmente no ponto em que há uma descontinuidade, uma falta, para restabelecer o manto inconsútil da vida.



                                                                       Nahman Armony

AOS 75 ANOS DE MINHA MÃE




Que  falar dos 75 anos de minha mãe
Que não seja piegas, chavão, lugar-comum?


Quantas heroínas já não foram cantadas
                        Por seus  feitos
                                   Sacrifícios
                                               Renúncias?


Quantas vidas não foram  gastas
Numa dura luta  contra um destino
                                               Demente?


E quantas não tiveram exaltadas
                                   A abnegação
                                   A  coragem              
                        E acima de tudo
                               A dedicação maior
                            O esquecimento de si mesmas?


Mas nada disto importa
Não importam as heroínas
                        Nem os heroísmos


Importa a
            Minha mãe

Aquela que  me deu o amor que pôde
No tempo roubado às lutas

Aquela que me deu o pão possível
A roupa necessária
A escola sofrida


As heroínas existem em livros
                                   nos mitos
                                   nas lendas


Minha mãe é real
Está aqui
Hoje
Nos seus setenta e cinco anos de uma vida profícua
De mais realizações que ela própria imagina

Está aqui
Modestamente
Pensando que não merece esta homenagem
Mas também sabendo
Que qualquer festa é nada
É demais
Diante de uma vida setenta e cinco anos vivida.

                                                                       Nahman Armony

LUTO, MELANCOLIA E PSICOSSOMÁTICA



PRELIMINAR
Falarei dos diversos tipos de luto através de exemplos tirados da vida e do cinema (que é uma forma de apresentar a vida). Cada narrativa terá a sua especificidade, mas tentará ser compreendida pela construção teórica freudiana que encontramos em “Luto e Melancolia” e em “Introdução ao Narcisismo”. Por enquanto apresentarei apenas um dos conceitos metapsicológicos que  fazem parte de um complexo maior, ao qual terei de me  remeter mais adiante. Este conceito que será inicialmente usado eu o repetirei tal qual Freud o escreveu:
FRASE DE FREUD EM “SOBRE O NARCISISMO: UMA INTRODUÇÃO” VOL. 14 – “Ele  pode  ter  desviado inteiramente o seu interesse sexual dos seres  humanos; contudo pode tê-lo sublimado num interesse mais elevado pelo divino, pela natureza, ou pelo reino animal, sem que sua libido tenha sofrido introversão até suas fantasias ou retorno ao seu ego”(p.97). Por esta frase vemos que Freud admite a existência de uma zona egóica  (retorno ao  ego) e de uma zona de fantasia (introversão até as suas fantasias), o que se confirma em seus desenvolvimentos posteriores. Quando a libido retorna ao ego, o objeto desaparece, pois  torna-se parte  da  pessoa. Quando a libido retorna à fantasia o objeto pode ser alcançado pela consciência, pois sendo um objeto, é algo diferente de um si mesmo. O si mesmo, aquilo que foi incorporado ao ego, é muito mais difícil de ser percebido do que o objeto da fantasia. Essa é uma noção inserida em uma estrutura maior, mas que separei por ajudar na compreensão do se segue.

Tomemos agora  alguns exemplos da vida:

ELISA
1- Após a morte da mãe logo vestiu-se de azul por influência do filme “A liberdade é azul”, que muito a impressionou. EU LOGO PUS AZUL POR CAUSA DO FILME PORQUE ELE ME MARCOU MUITO QUANTO AO LUTO, O QUE PODE SER A PERDA DE ALGUÉM MUITO QUERIDO.

2- A mãe sofreu dois derrames e ficou longo tempo na cama praticamente inválida, tendo de ser atendida em praticamente todas as suas necessidades. QUANDO VOLTEI DO VELÓRIO TIVE MUITO MEDO DE ESQUECER A VOZ DE MINHA MÃE EU NECESSITAVA ESTAR COM ELA PELO MENOS NA VOZ

3- Quando voltou do velório teve muito  medo de esquecer a voz da mãe; sentia necessidade de estar com ela ao menos na voz. Apegou-se aos objetos da mãe. ATÉ HOJE NA GAVETA DA MAMÃE NÃO PUS COISAS MINHAS  E esse armário antes dela vir morar comigo era o meu grande apoio pois nele guardava documentos que eu normalmente vivo achando que estou perdendo. Só lhe foi possível começar a se separar deles quando teve a certeza de poder reproduzir mentalmente a voz da mãe.

4- Uma Digressão Metapsicológica: Eu diria que a voz estava não na fantasia, como atualmente, mas no ego. Como fazia parte de si mesma não podia ser ouvida. Freud falou desse processo quando estudou a paranóia com suas alucinações auditivas. O caminho percorrido para a formação do superego passa primeiro pelas ordens do pai externo; em um segundo tempo este pai é internalizado e as ordens provêm deste pai internalizado; o último passo acontece quando a ordem provém não mais de uma figura de pai mas de seu herdeiro impessoal: o superego. O que era a voz do pai, desaparece, passando a ser parte do ego como superego. Na  alucinação esquizofrênica o superego impessoal readquire sua pessoalidade, voltando a ser voz de alguém. Há uma regressão e o superego abstrato transforma-se em voz concreta. Em Elisa,  aquilo que pertencia ao ego passou a pertencer também ao mundo de fantasia. Quando ela quer, ouve a voz da mãe.

5- Por que a voz da mãe tornou-se ego? Elisa cuidava de forma extremamente dedicada e eficiente da mãe. Mas, por vezes, sentia-se irritada com o trabalho que ela dava. Havia também uma irritação inconsciente da qual Elisa não se dava conta. Pode-se dizer que havia ao mesmo tempo um investimento narcísico na mãe – a mãe como parte do ego – e então a irritação era inconsciente ------ e um investimento objetal na mãe o que permitia sentir uma irritação consciente. Ela sabia que a mãe a incomodava como uma pessoa diferente de si mesma e a irritação era com a mãe. Mas também a mãe como parte narcísica de seu ego não a incomodava como alguém diferente de si mesma, mas como sendo ela mesma e então a irritação ou quaisquer outros sentimentos relacionados eram consigo mesma. Ela é quem era a culpada por se irritar com a mãe pois não haveria nenhum motivo racional para se irritar com ela. A passagem da não-voz (mãe incorporada ao ego) para a voz passível de ser evocada na zona de fantasia é a passagem de um investimento narcísico na mãe para um investimento objetal. Ainda há um investimento narcísico na mãe, mas a passagem do narcísico para o objetal está aberto e pode ser trilhado e está sendo trilhado. Uma passagem que, evidentemente, nunca  será completada, pois a relação  amorosa objetal alimenta-se da relação amorosa narcísica. De qualquer forma, está em curso um processo de separação, um luto-separação ou luto propriamente dito. O movimento é da melancolia para o luto.
A frase inicial que apareceu na mente de Elisa já apontava para uma direção pretendida. A liberdade é azul, e o vestir-se de azul é indicativo de um desejo de luto-separação que ocorreria quando fosse possível e que agora já está acontecendo. Muitos dos objetos da mãe continuam preservados para manter sua lembrança como figura de relação objetal de base narcísica.
Elisa precisa da voz da mãe como uma voz benigna. No seu processo de separação, de luto-separação, predomina o lado amoroso da ambivalência que já de há muito tempo é característico de sua relação com a mãe. E isto porque em Elisa, o aspecto de separação, de diferença predominou sobre o aspecto de identificação, de igualdade, de fusão. Quando há fusão, a raiva da diferença é muito mais violenta do que quando a diferenciação predomina. Isto pode ser exemplificado por um acontecimento terrível e chocante, recentemente ocorrido.  Refiro-me ao assassinato e suicídio da  família Wunder, do qual  falaremos mais adiante.



A LIBERDADE É AZUL
Ao morrerem sua filha e seu marido, Julie passa uma borracha em sua existência passada, e pretende reiniciar uma nova vida sem vínculos. É uma reação defensiva a uma perda destituída de sentido, de uma violência inaudita e  de um sofrimento incomensurável. Ela manda esvaziar o quarto da filha e vender a mansão em que vivia com o marido e a filha. Ela rasga a partitura que estava escrevendo com o marido numa tentativa de anular a vida passada com ele, de anular a sua recordação. O elemento de esperança, de redenção, de volta à vida encontra-se na conservação do candelabro azul do quarto azul da filha. Único objeto, único símbolo que sobrou de toda a tragédia, mas é um sinal de esperança. Se usarmos aqui a teoria freudiana poderemos dizer que desapareceram da vida da fantasia de Julie, o marido e a filha, desta persistindo apenas um indício, um traço. Se desapareceram da vida de fantasia, para onde foram?  Eu diria, ainda baseado em Freud, que se confundiram com o próprio ego de Julie, não podendo ser assim reconhecidos  como pessoas em si. Passaram a fazer parte do ego de Julie e assim desapareceram quase sem deixar traço no mundo de fantasia. Quando Julie sabe da existência de uma amante na vida do marido, a fusão egóica Julie/marido se abala e o marido passa a ter uma existência no mundo de representação, no mundo de fantasia de Julie. A raiva até então inconsciente e que não podia ser elaborada, pôde finalmente ser elaborada e a ambivalência tendeu para a generosidade e a bondade. O marido passou a estar presente na vida de fantasia, assim como a filha na pessoa do embrião que a amante do marido carregava no ventre. Saímos do mundo indiferenciado egóico para o mundo diferenciado da fantasia. Julie oferece então a mansão para a amante e a filha viverem, e retoma a sua vida; reconcilia-se com o marido, ajudando a terminar, com o auxílio de  um amigo, a partitura musical que ficara inacabada. Sai da esterilidade para uma vida  afetiva. Sai de um “tanto faz”, de um sentimento de futilidade, para um sentimento de vida. Podemos dizer que a natureza de sua depressão e de seu luto mudou: passou de uma depressão vazia, de um luto de fixação, para uma depressão elaborativa, um luto de separação.



FERNANDA
Casou-se  sem amor e teve um filho a quem dedicou um incomensurável afeto carregado de expectativas. Este filho não correspondeu às expectativas de Fernanda. Fusionada que estava a ele, a decepção foi enorme e a raiva ora ficava reprimida, ora se manifestava, levando a discussões de grande intensidade. Podemos dizer que havia uma situação de ambivalência onde o componente agressivo narcísico tinha grande peso. Este filho morreu já adulto, e a dor sentida pela mãe foi imensa, ilimitada. Ela nada mais fazia na vida a não ser sentir dor. Uma dor de tal intensidade que a diferenciação físico/psíquico desapareceu. Torturava-se com pensamentos de ter sido uma péssima mãe, de não ter agido com eficiência e presteza por ocasião de sua agonia e morte, de que agora a vida não lhe interessava, que só lhe restava morrer, que não ia se suicidar, mas deixar-se-ia morrer, de que ela não se continuaria na pessoa do filho, o que significava que desapareceria ao morrer o que tirava o sentido da vida,. Passava a maior parte do tempo na cama sentindo a sua dor: deixou os livros, as músicas, os filmes, de tudo que gostava. Só excepcionalmente saia de sua casa, a não ser que se tratasse de compromisso profissional. Gostava, porém de receber visitas de pessoas amigas, desde que fossem realmente amigas e poucas. Nessas ocasiões nada falava, apenas desfrutava da companhia dos amigos. Detestava ouvir as frases padrão de consolo. Queria sentir a dor e para ela nada mais havia nem haveria no mundo a não ser a dor. E, no entanto, persistiu uma migalha de instinto de vida que fazia com que ela não faltasse no trabalho, que a fez procurar análise e que manteve minimamente em  funcionamento a casa. Creio que podemos dizer que se trata de uma relação narcísica onde ela se confunde de tal maneira com o filho que  o destino do filho – a morte -  tem de ser o seu destino. Também a agressividade da relação, trouxe para a  mãe uma carga de culpa que a manteve fixada  na  figura  de filho à maneira de  uma neurose   traumática. A repetição mental e afetiva das situações de agressividade não abriram as  fronteiras da  fantasia; as situações imaginadas e  sentidas não fluíam em direção a uma compreensão psicológica ou filosófica mais ampla, mantendo Fernanda atada às memórias sem possibilidade de iniciar  um processo de libertação que daria acesso à vida que tinha perdido. Embora a representação do filho não estivesse oculta, não podemos dizer que estivesse na zona de fantasia. Embora representada, a figura do filho estava fortemente amarrado à zona narcísica, à zona egóica da mãe, sendo lá conservado vivo para um fantasioso e impossível comportamento alternativo; talvez mais que na perda do filho, ou concomitante a isso, a mãe pensava obsessivamente no que ela tinha falhado, deslocando o acento do objetal para o narcísico. Fixada nela mesma, no seu comportamento, teve dificuldade em elaborar o luto do filho, em ligar-se exclusivamente à sua perda. Só após aproximadamente dois anos após a morte do filho, e com a ajuda de uma análise, a figura do filho está começando a se deslocar da zona do ego, da zona narcísica, para o zona objetal, zona da fantasia.




FAMÍLIA WUNDER: ASSASSINATOS E SUICÍDIO
Que relação este acontecimento chocante tem a ver com luto? Eduardo lembrou-me que a transformação sofrida pela nossa querida cidade do Rio de Janeiro deixou um travo amargo de  luto que temos de elaborar. Sérgio lembrou-me que também fazemos luto por identificação e que o desaparecimento brutal da família de Waldo de Carvalho Wunder deixou-nos a todos enlutados. Acredito que mais que enlutados, deixou-nos assustados pelo estranho/familiar potencial humano para a destrutividade, e mais  assustados ainda por ter  acontecido com uma família de uma camada social com a  qual nos identificamos. Podemos pensar em luto pela tranquilidade perdida, pela perda de um Rio de Janeiro menos agressivo; podemos também nos identificar com os protagonistas e chorar a morte deles. Mas não é por essas razões que apresento este caso. É porque ele ilustra com muita clareza a questão do narcisismo. E a compreensão do narcisismo é  fundamental para a questão do luto e melancolia.

10- No luto perde-se o objeto externo e na melancolia perde-se uma parte do eu. Por quê? Porque a melancolia depende de uma relação narcísica do sujeito com o seu objeto. Na verdade o objeto não é reconhecido como tal sendo vivido como parte de si mesmo. Isto, em parte, explica a tragédia da Barra da Tijuca. Mulher e filhas eram dependências de Waldo e como Waldo, deveriam morrer. Mas há mais um aspecto na melancolia. A relação de objeto sendo narcísica é também extremadamente ambivalente, isto é, existe amor e ódio pelo objeto que ao mesmo tempo é parte de si mesmo, e ao mesmo tempo teima em ser diferente do si mesmo. Há uma tentativa de ser igual para manter a ilusão narcísica de amor do objeto, pois estamos no campo narcísico do amor de objeto. Pegando novamente o exemplo do engenheiro. Por um lado ele queria dar à família todos os objetos desejados, e isto, não só pela solicitação da família, mas também por um ideal de ego narcísico (ego ideal) em que o sucesso e a riqueza eram o objetivo. Por outro lado se sentia pressionado a dar algo que já não tinha condições de dar, pressionado por ele mesmo que desejava manter o status e pressionado pela família que também queria continuar usufruindo  de objetos caros e socialmente valorizados. Essa pressão de si mesmo e da família alimentava o seu ódio de si e de seus familiares. Temos aí a característica ambivalência das relações narcísicas vistas de forma purificada; ama-se o igual e odeia-se o diferente. O igual é aquilo que corresponde a um eu ideal e o diferente é aquilo que está além da capacidade do eu ideal. O outro não é um outro mas é este mesmo eu ideal. Freud nos fala que a perda de objeto numa relação narcísica faz com que a libido recue até o ego, diferentemente da perda numa relação objetal em que a libido recua até as fantasias, não indo até o ego. Se a esposa  e as filhas estivessem investidas de libido objetal elas estariam no campo da fantasia de Waldo e não no campo de seu ego. Seriam então vistas como entidades diferentes dele próprio e suas vidas seriam preservadas, pois não estariam organicamente, profundamente, egoicamente ligadas a ele. Mas, infelizmente, elas eram parte de seu ego e diante da frustração que foi a perda de status que não podia ser aceita por uma personalidade narcísica, houve um retorno do investimento não à fantasia, mas ao ego, onde se alojaram os membros de sua família restrita. Diante da humilhação só restava o suicídio, a morte do ego, e no ego de Waldo estavam mulher e filhas. Esta é uma situação melancólica e não uma situação de luto. Na melancolia o que se perde é uma parte de si mesmo. A perda de status era uma parte de si mesmo, sendo que neste si mesmo estavam incluídas mulher e filhas. Se a situação fosse de investimento objetal, a perda de status seria uma perda não de si mesmo, mas de um objeto externo e não haveria a tragédia.

Vamos nos deter mais um pouco em cima do status. O status era um investimento narcísico e não objetal. Isto é, no status estava lançado o seu próprio ego. A sua relação com o status era uma relação narcísica de maneira que quando ele perde o status ele perde parte de si mesmo. Se fosse uma relação objetal ele não teria perdido uma parte de si mesmo, mas um objeto externo e faria não uma melancolia que o levou à morte, mas um luto que lhe permitiria continuar vivendo.
         Da mesma maneira seu investimento na esposa e filhas era narcísico e não objetal. Elas eram objetos narcísicos, isto é, partes de si mesmo, e não objetos de sua fantasia, onde elas estariam dentro de si mesmo não como parte do ego, mas como parte da fantasia. Se elas eram parte de seu ego, era muito natural que morressem com o Waldo pois elas eram o próprio Waldo. Waldo se relacionava ambivalentemente consigo mesmo. Amava a si mesmo enquanto correspondia ao seu ego ideal, e se odiava quando afastava-se do ego ideal. É a ambivalência extremada da relação narcísica e da melancolia. Uma parte de si mesmo exigia manter o status. Outra parte de si mesmo odiava-se por não conseguir manter o status. A mãe e a filha, dentro do jogo dinâmico da família, exigiam concretamente a manutenção de um status já impossível. Surge então um ódio narcísico de si mesmo, sendo que neste si mesmo está incluído não só o Waldo exigente consigo, mas a filha e mãe também exigentes. A ambivalência sai de seu ponto de relativo equilíbrio e o ódio predomina sobre o amor. Waldo mata a si mesmo inúmeras vezes com inúmeros tiros, dando vazão a este ódio de uma parte de si colocado na mulher, nas filhas e nele mesmo. Daí o número excessivo de tiros. São indicadores do ódio. E, no conjunto, indicadores de uma relação narcísica que levou ao suicídio/assassinato, mas que, em outras circunstâncias (uma perda de um dos membros da família), levaria à melancolia, isto é, a uma fixação, a uma culpa, a um sentimento de perda de parte de si, à auto-desvalorização, ao auto-ataque, à ruminação melancólica. A melancolia sendo uma perda do ego, e estando o ego intimamente ligado ao corpo (o ego é basicamente um ego corporal) compreende-se o aparecimento de transtornos e doenças psicossomáticas. Se quisermos especular um pouco podemos pensar que em sendo a melancolia uma perda  de parte de si mesmo, corresponde, no plano das neuroses atuais a neurastenia que segundo Freud, é uma perda de energia advinda de um excesso de masturbação. Seria uma doença orgânica por deficiência de libido e não por excesso como é o caso da hipocondria ou da neurose de angústia (a energia sexual excessiva investindo órgãos do corpo).



LUTO E PSICOSSOMÁTICA – UMA EXTENSÃO DA  METAPSICOLOGIA FREUDIANA  DA MELANCOLIA.

Comecemos com a neurose de angústia, com a hipocondria e com a neurastenia, três neuroses atuais na psicopatologia freudiana. Na neurose de angústia há um excesso de energia, de libido que se descarrega no corpo provocando angústia. Na hipocondria a perda do objeto numa relação narcísica faz com que a libido retorne ao  ego produzindo sintomas psíquicos como paranóia e idéias de  grandeza. Esta é uma forma de dispersar  o excesso de libido que invade o ego a partir da frustração. Se esses recursos não são usados, então o excesso de libido se descarrega no corpo, erotizando algum ou alguns de seus órgãos e produzindo hipocondria. Já na neurastenia os sintomas não advêm do excesso de libido, mas de uma depleção. O excesso de masturbação diminui a quantidade de energia somática disponível, e o soma sofre as conseqüências dessa depleção adoecendo, pois ele precisa de um mínimo de libido para poder funcionar adequadamente.
Na perda melancólica há uma depleção no ego. É uma parte do ego que se perde. Podemos, usando o raciocínio de Freud, hipotetizar que essa depleção terá como conseqüência um transtorno orgânico. Eu iria até mais adiante. Sendo o ego basicamente corporal teríamos alguma doença orgânica: um câncer, uma úlcera péptica, uma tireotoxicose, diabete, leucemia, etc. (Ver “Concepção psicossomática – Visão Atual) de Júlio de Mello Filho.)
Podemos hipotetizar que o processo de luto, quando a relação libidinal é objetal e portanto o objeto perdido fica na zona de fantasia, também provoca transtornos somáticos, porém mais passageiros e menos graves, pois aqui não se trata de ego corporal mas de objetos que circulam na fantasia, relativamente afastados do âmbito do ego.

Por fim é preciso que se diga que há sempre elementos narcísicos e objetais na relação amorosa, isto é, a pessoa amada é sentida paradoxalmente como parte de si mesma e ao mesmo tempo como pessoa independente. Uma afecção somática mais ou menos grave, mais permanente ou mais passageira, dependerá da pessoa estar fazendo ou um luto ou uma melancolia. Sempre haverá um balanço entre investimentos narcísicos e objetais e, portanto entre luto e melancolia. Daí também a grande variedade de transtornos e doenças psicossomáticos, sua gravidade e permanência. 

FOCO


Fonte: Caras, n. 39, 27. set. 2013
Errata: Substituir "Não precisa saber que existo" por "Não precisas saber que existo"

AMAR O AMOR

                               Nahman Armony


        Todos conhecem pessoas que têm a necessidade de estarem permanentemente apaixonadas. É até uma situação bastante comum. A pessoa se apaixona, após algum tempo se decepciona e então encontra uma nova paixão.
        Este é um padrão habitual e cabe-nos tentar entendê-lo fazendo hipóteses plausíveis. Tentarei expor aqui uma delas. Simplificadamente: a pessoa ama não a outra pessoa, mas o amor que vem desta outra pessoa. Portanto, em primeira instância, ela ama o amor. A pessoa é, de início, apenas o veículo deste amor. José ama o amor que Maria tem por ele e não a própria Maria. De todos os motivos que se tem para amar e que são muitos e complexos, esse é ubíquo. Todos nós passamos por uma experiência de bebê na qual somos passivos, ainda incapazes de amar, mas necessitando dos cuidados de uma mãe amorosa. É o amor da mãe que amamos em primeiro lugar. Estou falando de uma experiência primitiva que marca indelevelmente o sistema nervoso da criança. O bebê, um ser ainda extremamente passivo não ama; ele tem necessidades que serão atendidas se for amado pela mãe. Esse amor manifestado através da proteção, dos cuidados e da ternura faz com que, posteriormente, a criança se apaixone perdidamente pela mãe. Seu primeiro contato não é com a mãe propriamente dita, mas sim com o amor que ela lhe dedica. É aí que se fixa o traço selvagem do amor.  

Na paixão adulta imatura essa situação se repete. É o amor incondicional do outro que é amado, não se chegando a amar o outro em si mesmo. Nos primeiros tempos de idolatria, esta situação é ainda possível. Com o passar do tempo para além do amor do outro, surge o próprio outro com a sua individualidade peculiar e por isso mesmo invasiva. A ilusão do amor intransitivo se desfaz. É hora então de procurar uma nova ilusão em um novo parceiro. Um intenso sentimento de falta daquela relação inicial absoluta impele a pessoa a procurar estabelecer uma nova relação de paixão intransitiva a todo custo. A necessidade de recuperar o paraíso perdido é tão intensa que qualquer pessoa que minimamente estimule as fantasias de amor incondicional torna-se imediatamente objeto de paixão. A urgência supera qualquer outra consideração. Não lhe é possível dar-se um tempo para melhor conhecer o parceiro e saber da compatibilidade de personalidades. A paixão ressurge com toda sua força desde que o desconhecido prometa amá-lo sem restrições. Ao fim de algumas decepções a pessoa poderá finalmente incorporar a vivência da impossibilidade de uma relação sem diferenças. Podemos pensar que a estabilidade de um terceiro ou quarto casamento não se deve apenas ao encontro de uma pessoa psicologicamente mais compatível, a uma escolha melhor, mas também ao aprendizado profundo da impossibilidade de uma relação incondicional, o que leva a uma maior aceitação das diferenças. Resumindo: na medida em que por trás do amor incondicional apareça a pessoa que ama, na medida em que o amor ao amor vai sendo invadido pela realidade do outro, surge o desejo de reencontrar o amor abstrato. Procura-se então um parceiro que alimente esta ilusão. Ele será sentido como “carne de minha carne”, “sangue de meu sangue” remetendo-nos à relação primeira com a mãe. Um dos antídotos do qual podemos lançar mão é o direcionamento da paixão para realizações pessoais e culturais. Podemos amar e sentirmo-nos amados por qualquer coisa: futebol, coleção de selos, música, cavalos, e, melhor que tudo, pela nossa profissão. O outro antídoto --- e aqui já estamos falando de um amor maduro --- é romper as barreiras do amor abstrato que é o amor ao amor, e amar a pessoa que nos distingue com o seu amor. Na verdade estes dois recursos estão imbricados. Reconhecer o outro é também se reconhecer podendo então prescindir do amor incondicional.