Nahman
Armony
A neutralidade em psicanálise é
filha da objetividade das ciências exatas do século XIX, neta do iluminismo,
bisneta do cartesianismo, tetraneta do platonismo, tendo ainda vários parentes
colaterais.
Tanto a objetividade científica
quanto a neutralidade psicanalítica pretendiam que o objeto falasse de si por
si mesmo, sem nenhuma interferência do observador. Está aí implícita a
dicotomia observador-observado, sujeito- objeto.
Assim,
os fenômenos físicos, desde que examinados de um modo objetivo, isto é,
sem a intervenção da subjetividade do pesquisador, revelariam as suas leis
intrínsecas, leis absolutamente independentes do cientista observador que nada
mais faria senão espelhar a natureza.
De modo similar, se o analista se
mantivesse neutro e, portanto, objetivo, o inconsciente do analisando se
revelaria na sua maior pureza e verdade. O analista tinha o dever de evitar que
a sua subjetividade contaminasse as manifestações do inconsciente do analisando;
e mais, a interpretação do dito pelo analisando ou visto pelo analista deveria
estar expurgada de toda a subjetividade do analista. Desta forma ter-se-ia
certeza de que as percepções e intervenções do analista se refeririam àquilo
que pertenceria exclusivamente à vida psíquica do analisando.
Esta
atitude do analista advinha do paradigma cientificista pragmático racionalista
reducionista que prevalecia no século dezenove como conseqüência do enorme
sucesso das ciências físicas.
Podemos
encontrar para esse paradigma científico uma genealogia que nos remete ao
quarto século a.c., quando Platão/Sócrates, usando o método dialético, passou a
distinguir episteme de doxa, redefinindo a palavra alethea que deixou de ser desvelamento
para se tornar reminiscência da verdade. No diálogo “Gorgias”, o
personagem Sócrates defende a idéia de que existe um discurso que, por falar de
si mesmo, é verdadeiro, isto é, reporta o homem a uma verdade absoluta que, em
diálogos subsequentes, habitará o mundo celeste das idéias.
Gorgias
é um diálogo árido, intelectualizado, em que Sócrates alcança a ciência, a
verdade, a episteme, através de raciocínios usados para demonstrações lógicas.
Para isto ele define palavras, fixa significados e os manipula usando o
princípio da exclusão, levando os contendores a concordar, não com ele,
Sócrates, propriamente, mas com o que seria a verdade do próprio discurso
lógico. Como ele mesmo diz em 509-b: “ [minhas afirmações] acham-se unidas e
encadeadas – valha a expressão – por argumentos de ferro e aço, ou, pelo menos,
assim parece. Se você, ou outro mais audaz do que você, não quebrar estas
cadeias, não haverá possibilidade de falar com acerto de forma diferente da que
estou fazendo agora, pois meu modo de falar é sempre o mesmo”. (Platón- Obras
Completas – Editora Aguilar, Madrid, 1990, p.400). Justamente, a idéia da
verdade do próprio discurso é genealogicamente antecedente da verdade do objeto
que fala de si mesmo e da verdade do inconsciente não contaminado pelo
analista.
A
palavra ciência (episteme), usada por Platão, sofre modificações conotativas
com o advento da física moderna, mas guarda o significado acima referido: o
objeto fala de si mesmo sem interferência do observador. Segundo as fofocas
histórico-científicas, foi Galileu quem, no século 17, introduziu a ciência
moderna, a qual atingiu o seu apogeu na segunda metade do século 19, época da
formação de Freud. Não havia na Idade Média uma preocupação maior com a
objetividade, com o conhecimento exato. Um exemplo (retirado do livro “Quem tem
medo da ciência?” de Isabelle Stengers): a noção de velocidade reportava-se a
um tempo gasto para percorrer um espaço; a noção de intensidade tanto servia
para falar da velocidade crescente de um corpo em queda, quanto de um cavalo
que reduzia sua velocidade por cansaço, como ainda de uma vida que se tornava
cada vez mais virtuosa. Intensidade era um conceito holístico que podia ser
usado em vários campos da vida, desde a física até a moral. Importante
assinalar o aspecto de mistério que a palavra “intensidade” possuía e que a
colocava numa região ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, permitindo um uso
amplo da palavra. Ao criar o conceito de “velocidade instantânea”, Galileu
promoveu uma revolução; retirando a subjetividade das noções, tornou-as privativas
da física, dando partida para o esvaziamento da polissemia semântica; também
delimitou o campo da física separando-o dos outros campos da vida. Porém, para
além da física, as palavras ainda conservavam o seu mistério. Na medida em que
as ciências exatas obtiveram um estrondoso sucesso, passaram a paradigma de
todos os outros campos do conhecimento que assim deveriam renunciar ao
mistério, à subjetividade, à imprecisão (que posteriormente será introduzida na
física por Heisenberg) e se conformar à objetividade dos termos das ciências
exatas. Desta maneira, o mundo físico nada mais tem a ver com o destino do
Homem; as leis terão de ser descobertas
na natureza. A natureza deverá falar
de si independentemente do Homem.
Descartes,
com a sua filosofia contribui decisivamente para a implantação da mentalidade
cientificista pragmática racionalista. Dele interessa-nos aqui a dicotomia
corpo-alma e as “idéias claras e distintas”. A dicotomia “rex cogitans – rex
extensa” separa sujeito observador do objeto observado, dando mais vigor à
objetividade científica. As idéias claras e distintas exigem que o objeto possa
desvendar ele próprio toda a sua verdade;
a obscuridade é então uma anomalia a ser vencida. A subjetividade que
importa é a de uma consciência cognescente. Como que fechando um ciclo Newton
transforma as idéias filosóficas em uma física altamente eficiente, com um
sistema de fundamentos sólido, fechado e inatacável, fazendo do Homem o
Todo-Poderoso dominador presente e principalmente futuro da Natureza, o que
cria uma perspectiva de felicidade terrena para todos os homens.
A
psicanálise freudiana, elaborada nas últimas décadas do século 19 e nas
primeiras do século 20 está, como não poderia deixar de ser, impregnada desta
ideologia, da qual ela se afastará com os autores pós-freudianos que vivem já
uma outra época e uma outra episteme. A idéia freudiana de neutralidade
acompanha a clássica metáfora científica do conhecimento preciso do observado,
que, assim, de certa forma, deixa de ser sujeito para tornar-se objeto. Bem
dentro do espírito da época temos aqui a dicotomia sujeito-objeto, a pretensão
iluminista do conhecimento absoluto, o conceito de neutralidade que nada mais é
que um avatar do conceito de objetividade. O inconsciente de cada analisando
falaria de si mesmo, independentemente do analista que apenas espelharia a fala
do inconsciente de seu analisando. Observador e observado são duas entidades
separadas que têm entre si uma relação de espelho, de reflexo.
Esta
epistemologia sofre modificações radicais com a entrada em cena do universo das
micro-partículas. O estudo físico deste universo sub-atômico atropela as leis
da causalidade, a dicotomia sujeito-objeto, a pureza dos achados. Surge o
paradoxo partícula/onda em relação à luz e Heisenberg propõe que os cientistas
se atenham aos resultados. Porém mesmo esses ficam sujeitos ao famoso
“princípio da incerteza”; nem mesmo os resultados das medidas podiam assegurar
uma certeza total. A medição depende da interferência do experimentador que ao
iluminar o elétron para poder “vê-lo” afeta sua velocidade ou sua posição. Bhor
já havia advertido que “qualquer observação a respeito do comportamento do
elétron no átomo será acompanhada por uma mudança no estado do átomo” (“Bhor e
a teoria quântica”, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999, p.74). A questão
é que para se poder “visualizar” o elétron dentro do átomo, é preciso
bombardeá-lo com alguma partícula. A interferência é inevitável. O princípio da
complementaridade de Bhor diz que o resultado de uma experiência física depende
do tipo de instrumento escolhido para aferir seu comportamento (Idem, p.75). A
dicotomia observador-observado se relativiza; o observador manipula o
observado. A interpretação dos resultados torna-se mais problemática, facilitando
a entrada em cena das expectativas do experimentador. Surgem novos paradigmas
nas ciências físicas que por sua força de modelo influem decisivamente nas
modificações que já vinham se operando nos vários campos do conhecimento
humano, inclusive na psicanálise.
Importa,
porém, não confundir ciências humanas com ciências físicas, e mais ainda,
destacar das ciências humanas, a psicanálise. Ela também sofreu transformações
paradigmáticas que têm a mesma direção de transformação da física e das outras
disciplinas. Mas, evidentemente, a psicanálise tem sua especificidade.
Vejamos
então o percurso realizado pela palavra neutralidade na psicanálise.
É
difícil de acreditar que Freud não tenha usado, jamais, a palavra Neutralitaet (neutralidade) em
psicanálise. É verdade que no artigo “Observações sobre o Amor Transferencial”
da Edição Standard Brasileira lê-se: “Em minha opinião, portanto, não devemos
abandonar a neutralidade para com a paciente, que adquirimos por manter controlada a
contratransferência”. Na verdade, no original alemão, Freud não escreveu Neutralitaet, mas sim, Indifferenz que Strachey traduziu para neutrality, da qual resultou neutralidade
na Edição Standard Brasileira. No entanto, a neutralidade tornou-se um dos
pilares da conduta psicanalítica. E embora Freud não tivesse escrito a palavra
neutralidade, nem dado importância conceitual à palavra objetividade, elas
estão implícitas nas suas formulações ao longo de sua obra. No artigo
“Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”, por exemplo, Freud nos
fala que o analista necessita ter a frieza de um cirurgião e que “deve ser
opaco aos seus pacientes e, como um espelho, não mostrar-lhes nada, exceto o
que lhe é mostrado”(Vol.12, p157). Sem dúvida, aí se encontra, escondida, a
metáfora, o paradigma da neutralidade e da objetividade. Mas não deixa de ser
significativo o fato de Freud não ter usado diretamente esses dois conceitos.
Presumo
que Freud tenha achado que mais facilmente a neutralidade vigoraria se o
analisando não o enxergasse, uma vez que suas reações corporais poderiam dar
uma indicação de seus sentimentos e pensamentos, influindo sobre o analisando.
Num primeiro momento da história da psicanálise o que estava em pauta era
recuperar as memórias perdidas para reintegrá-las na corrente da consciência.
Logo porém apareceram as resistências e o fenômeno da transferência. A
transferência era conceituada como repetição de padrões de comportamento e
afetividade com figuras do passado, agora dirigidos para o analista; este nada
mais era que uma tela de projeção das figuras e situações pretéritas, o que
fazia dele um espelho capaz de devolver aquilo que pertencia ao mundo psíquico
do analisando. Neste esquema, a neutralidade/objetividade do analista se
mantinha.
O
próximo passo foi reconhecer que a transferência podia apoiar-se em uma
característica ou em um comportamento do analista. Mesmo a atitude neutra e
reservada do analista poderia servir de apoio à transferência. E mais do que
transferência, a atitude de silêncio e distanciamento podia ser vista como um
comportamento pessoal ou profissional tantalizante. Na medida em que a metáfora
do Especialista Infalível e Inquestionável passou a ser contestada em todas as
esferas da atividade humana, o tantalizante transformou-se em inadequado e impróprio
para muitos analisandos.
Havia
também a questão da contratransferência que, segundo Freud, deveria ser
suprimida para que a subjetividade do analista não influísse no analisando.
Acontece, diziam outros analistas, que é impossível ao analista não reagir de
alguma maneira à transferência do analisando. Assim, a contratransferência, de
alguma maneira, chegava ao analisando, estabelecendo-se uma relação
inter-subjetiva. O analisando reagia às contra-transferências (ou mesmo às
transferências) do analista e este respondia, de alguma maneira às
transferências do analisando. Parte da comunidade analítica, assumindo a
impossibilidade de evitar o mútuo incitamento
transferencial-contratransferencial, transformou a contratransferência em
ferramenta terapêutica. A contratransferência passou a ser primeiro um
instrumento de compreensão, e depois, um instrumento de intervenção do analista
no campo intersubjetivo. A interação inter-fantasmática
(transferencial-contratransferencial), ao ser aceita como inevitável, foi
estudada, compreendida e teorizada passando a ser um fator de progresso da
terapia analítica. O analista deveria ser um observador-participante do jogo
fantasmático que se estabelecia entre analista e analisando para estar em
condições de direcionar suas intervenções no sentido da transformação do
analisando. Eram as necessidades do analisando que deveriam ser atendidas.
Seria então preciso que o analista se apercebesse de sua própria dinâmica
dentro da relação analítica, a fim de evitar que seu narcisismo, seus
conflitos, suas dificuldades, fizessem com que ele se aproveitasse do
analisando para as suas próprias necessidades psicológicas espúrias. A
neutralidade aqui aparece intimamente associada a três fatores: a capacidade de
auto-percepção do analista, à sua capacidade de identificação e empatia, e à
sua ética.
Em
algum momento passou-se a valorizar não apenas a relação inter-fantasmática
(inter-subjetiva) mas a relação real (inter-pessoal). A pessoa do analista em
sua realidade psíquica e comportamental tornou-se mais uma influência
terapêutica inevitável, pois ninguém pode deixar de ser quem é. Passou-se a
valorizar a espontaneidade, que, no entanto, deveria ser exercida com tato, com
cuidado, com “concern”.
Em nossa disciplina, certamente mais
ainda que na física e na psicologia, a neutralidade entendida como deixar o
objeto de observação falar por si de si mesmo, sem interferência do observador,
é uma situação impossível. A própria tentativa de não-interferência do analista
é, na verdade, uma interferência, pois é um comportamento que produz efeitos na
subjetividade do analisando. Além disso, é-lhe impossível evitar reações
expressivas diante da conduta verbal e não-verbal do analisando, reações essas
captadas pela sensibilidade do analisando. O fenômeno da contratransferência
nunca é uma pura reação à transferência, mas sempre toca em elementos do
inconsciente do analista. E, se para conhecer o mundo subterrâneo da matéria é
preciso não apenas observá-lo, mas também com ele interagir, como poderia ser
diferente em um campo tão mais complexo, tão mais misterioso, tão mais
escorregadio que são as relações humanas?
Teríamos então de abandonar o
conceito de neutralidade em psicanálise?
É uma das possibilidades. A outra
é reformulá-la.
Segundo Loewald, a objetividade do analista
difere da objetividade do cientista. Para esse autor, enquanto que no modelo
científico a intenção é conhecer o objeto, no modelo psicanalítico a intenção é
conhecê-lo para modificá-lo. A intensa interação entre analista e analisando
diferencia a situação analítica da experiência científica. Essa interação borra
a diferença entre observador e observado, entre sujeito e objeto. Diz Loewald:
“Embora a relação analista-paciente não possua a estrutura cientista-objeto
científico, a qual não se caracteriza pela neutralidade no sentido
psicanalítico, o analista pode se tornar um observador científico na medida em
que ele é capaz de observar objetivamente a interação entre ele próprio e o
analisando”(“On the Therapeutic Action of Psycho-Analysis”, International
Journal of Psychoanalysis, 1960, 41, p.18).
Loewald reformula o conceito de
objetividade, adaptando-o à psicanálise. Poderíamos sugerir uma outra
reformulação: a neutralidade, que já não mais seria o analisando se revelar em
sua pureza solipsista, poderia ficar referida a uma concepção de direção do
tratamento. Toda a ação terapêutica que direta ou indiretamente encaminhasse e
respeitasse essa direção, poderia ter o rótulo de neutra, pois estaria referida
a algo fora da subjetividade do terapeuta. Poderia ser, por exemplo, a produção
de significantes, ou, atingir uma situação depressiva, ou, ensinar o analisando
a brincar. Pessoalmente prefiro ter como insinuância a idéia mais ampla e menos
precisa de um “objetivo terapêutico psicanalítico”, o que significa que se
pretende proporcionar ao analisando o melhor equilíbrio possível dentro do
mundo complexo e vertiginoso em que vivemos, com o mínimo possível de
sofrimento. Ao ter em vista esse objetivo, é o bem-estar do analisando que está
em foco. A conduta do analista deverá visar esse bem-estar e não o seu próprio.
Para que isso seja possível é preciso que o analista tenha a capacidade de se
identificar e de empatizar com o analisando, que seja capaz de perceber os seus
próprios dinamismos psíquicos em referência a si e à relação com o analisando.
Ser-lhe-á então possível evitar a utilização das dificuldades do analisando em
seu próprio benefício, desde que sua ética faça-o colocar em primeiríssimo
plano o desenvolvimento do analisando em direção ao melhor equilíbrio possível
dentro do menor sofrimento possível.
Voltemos a pensar no “objetivo
terapêutico psicanalítico” O quê significa terapêutico e principalmente, o quê
significa psicanalítico? E o quê significa minorar os sofrimentos? Entraria
aqui ainda a questão ética da qual eu me aproximaria da seguinte maneira: o
analista está ali, naquele lugar, para atender os objetivos daquele que o
procura para o tratamento, quaisquer que eles sejam? Se a resposta for
afirmativa então os objetivos da terapia deverão se modificar na medida da
transformação dos objetivos do analisando. Acredito que na relação com um
analista, este objetivo vai-se transformando em um objetivo psicanalítico,
desde que a psicanálise não só não cause um excessivo sofrimento, mas acene com
uma forma melhor de viver. Objetivo propriamente psicanalítico refere-se, em um
primeiro momento, à compreensão da alma do analisando. E qual o instrumento de
compreensão? O mais poderoso instrumento de compreensão do analisando é a
capacidade de identificação do analista. Ela permite um conhecimento do íntimo
do analisando, diferindo da observação externa que apenas rodeia o analisando
sem nele penetrar. Esta identificação poderá ser homóloga ou complementar.
Sentir como o analisando sente, ou perceber o papel complementar em que o
analisando o coloca. Tanto em um caso como em outro o analista terá a sua
subjetividade posta em jogo. E muitas vezes deverá empatizar com o analisando e
jogar com ele o jogo identificatório
homólogo e complementar. Como evitar que o analista se deixe levar por
seus preconceitos ou por suas necessidades ao se permitir ser mobilizado
afetiva e fantasmaticamente pelo analisando? A única resposta possível é que
ele deverá se cuidar para que tal não aconteça. O analista poderá se ajudar se
deixar-se atravessar por três insinuâncias: 1a - o objetivo
terapêutico da relação, 2a – percepção de seus próprios
conflitos e carências 3a - a compreensão do funcionamento do
psiquismo do analisando através das identificações complementar e homóloga, o
que significa que o que deverá ser compreendido é a relação inter-subjetiva da
díade.
Vou insistir: a
inter-subjetividade traz o risco de o analista enxergar de forma
pré-conceituosa aquilo que o analisando está trazendo para a relação e - o que
torna ainda mais difícil o exercício da psicanálise - traz a possibilidade de o
analista tentar satisfazer as suas necessidades pulsionais e narcísicas
primitivas na relação. É preciso pois que o analista esteja permanentemente
atento às suas próprias necessidades e desejos para, em reconhecendo-as,
impedir que interfiram no objetivo terapêutico/psicanalítico da relação.
Se a objetividade surgiu, na
cultura ocidental, como um meio de atingir um objetivo proposto, e se
neutralidade na psicanálise for entendida como aquelas insinuâncias que
selecionam os procedimentos mais efetivos para a consecução de um objetivo
ético, então poderemos manter este termo mesmo se tivermos de usar a nossa
subjetividade para compreender e mobilizar a subjetividade do analisando, mesmo
que a subjetividade do analisando mobilize a subjetividade do analista.
Teríamos aí um paradoxo: uma
subjetividade/objetiva. Este paradoxo nos encaminha para o espaço intermediário
de Winnicot com seus objetos transicionais. Esta é uma das possibilidades de
pensamento teórico de uma nova neutralidade.